Em Lille, os apanha-bolas de classe mundial dançam nas sombras dos melhores do mundo

Lille final da Taça Davis
Fotografia: Paul Zimmer

São adolescentes, vêm de todos os pontos do país e treinam regularmente para terem lugar entre um restrito grupo de selecionados. Os apanha-bolas da final da Taça Davis são “de classe mundial” e seguem três mandamentos: rapidez, discrição e eficiência.

Por Gaspar Ribeiro Lança, em Lille

Diz o ditado que a pressa é inimiga da perfeição e por isso o processo até se elegerem os melhores apanha-bolas do país é longo: ao longo do ano são dezenas as ações de recrutamento a decorrer por toda a França das quais saem os “dançarinos das sombras” que depois atuam nalguns dos maiores palcos do mundo.

De Norte a Sul, em cidades como Lille, Lyon, Toulouse, Nantes e Paris, mais de 4.000 jovens respondem à chamada. Desses, cerca de 300 formam a equipa de apanha-bolas de Roland Garros e apenas 18 foram selecionados para a grande (e última) final da Taça Davis, como contou ao Raquetc o ex-apanha-bolas Quentin Sureau – um dos responsáveis pelo departamento de treino e recrutamento e mestrando em Gestão Desportiva.

“Organizamos testes e seleções durante praticamente todas as semanas do ano. É muito importante mostrarmos uma boa imagem dos apanha-bolas e para isso temos de contar com os melhores”, revelou antes de recordar com algum orgulho os tempos em que também atuou nas sombras dos melhores jogadores do mundo. “Fui apanha-bolas em Roland Garros nos anos de 2009 e 2010 e foi uma das melhores experiências da minha vida.”

Para a final da Taça Davis, contou, “foram escolhidos os 18 que mais se destacaram em Roland Garros. Têm todos entre os 12 e 16 anos e são divididos em três equipas de 6 apanha-bolas. Cada uma fica em court durante cerca de 30 minutos, mas depende sempre do andamento do resultado.”

A ocasião é grande e por isso a pressão também, mas os apanha-bolas são treinados para estes momentos. Treinos físicos e técnicos são regulares na agenda dos jovens, que de acordo com Quentin Sureau seguem duas regras (sorrir e aproveitar o momento) e três mandamentos: serem o mais rápidos, discretos e eficientes possíveis.

O conceito é simples. Dentro do court o espetáculo deve ser dado pelos jogadores, mas dedicar alguns minutos a observar a coreografia que os jovens protagonizam na terra batida é observar todo um espetáculo paralelo que ganha precisamente pela arte de decorrer nas sombras das estrelas.

Uma “dança” que se desenvolve com “movimentos específicos da escola e estilo de Roland Garros” que tornam especiais mesmo os gestos mais banais. Para passarem as bolas entre si, por exemplo, os apanha-bolas antecedem o momento da passagem de uma rotação de todo o braço enquanto a outra mão aponta a direção em que a bola irá ser rolada [imagens de um dos treinos/recrutamentos para Roland Garros]:

 

A receção é feita com um agachamento e as duas mãos entre as pernas e juntas à terra para que a bola não escape e as posições de repouso clássicas: à rede, os apanha-bolas apoiam-se com um dos joelhos nas proteções instaladas; nos fundos do court, juntam-se tanto quanto possível aos cantos, esticados e com as mãos atrás das costas para que haja o mínimo de ruído possível.

Também a entrega da bola aos jogadores é única: o braço que passará a bola ergue-se na vertical, como um prolongamento do corpo, enquanto o outro faz o movimento oposto, ficando esticado para baixo e dando a ver se há ou não mais bolas para passar.

E quando chega a hora de abandonarem o court os apanha-bolas fazem-no igualmente de forma coordenada: em comboio, aguardando a passagem dos primeiros para abandonarem as respetivas posições e se juntarem ao grupo. Um final sincronizado de uma aventura ao alcance de poucos e que em janeiro conhecerá um outro patamar: pela quarta vez consecutiva, fruto de uma parceria entre a Tennis Australia e a Féderátion Française de Tennis, os dois melhores apanha-bolas de Roland Garros vão atuar no Australian Open (e vice-versa).

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