Roland-Garros deu um tiro nos pés ao colocar João Fonseca no Court 7 durante a primeira ronda, um verdadeiro atestado de incompetência no que toca a reconhecer a popularidade de uma superestrela. E arriscou novamente ao colocá-lo no Court 14 para a segunda ronda, que comprovou a chegada do “fonsequismo” a Paris. Um fenómeno que veio para ficar e com o qual os próximos torneios devem aprender.
Por Gaspar Ribeiro Lança, em Paris
Não estamos no universo das figuras de estilo: aos 18 anos, João Fonseca é um dos jogadores mais populares do planeta.
A Federação Francesa de Ténis não soube reconhecê-lo ao preparar a programação da primeira ronda, que se revelou um fiasco ainda faltavam umas 10 horas para a estreia do carioca frente a Hubert Hurkacz: com capacidade para apenas 1.200 espetadores, o Court 7 — o quinto mais importante do Stade Roland-Garros — foi pequeno para o carnaval e ficou completamente lotado desde manhã, com o encontro de Beatriz Haddad Maia a abrir a programação, e do lado de fora criaram-se filas com centenas de metros que criaram problemas de circulação e obrigaram a organização a improvisar acessos.
Por culpa própria, a organização criou o caos na maior artéria de circulação do recinto, a que liga o Court Philippe-Chatrier ao Court Suzanne-Lenglen e onde estão situadas as entradas para este e outros três campos.
A naturalidade com que a vitória de um jovem como Fonseca sobre um jogador aclamado como Hurkacz foi recebida tornou-se autoexplicativa.
Se, ainda assim, restassem dúvidas, bastou ver do alto do terceiro piso do Court Philippe-Chatrier — a solução que arranjei para assistir à reta final do embate, porque até mesmo para a imprensa, que tem lugares reservados, deixou de haver espaço — o tratamento que lhe foi dado: ali, no minúsculo Court 7, entravam Nicola Arzani (o responsável de Relações Públicas da ATP, que gere todas as ligações aos jogadores) e Diana Gabanyi (assessora de imprensa do brasileiro depois de já ter desempenhado essas funções com Guga Kuerten), acompanhados de uma equipa da ESPN internacional.
O interesse dos fãs e dos média em Fonseca superou em larga escala o bom senso dos franceses, que dois dias depois recuperaram alguma sensatez, mas ainda com timidez.

Para a segunda ronda, frente ao francês Pierre-Hugues Herbert, foi designado o Court 14. O “caldeirão” tem o dobro da capacidade (alberga 2.200 espetadores sentados e mais uns quantos de pé, a toda a volta) e é o quarto maior court do recinto, ainda assim duvidoso para um encontro destes. Uma vez mais, a escolha revelou-se pouco acertada e repetiram-se as filas de adeptos privados de assistirem ao espetáculo.
O que o embate de quinta-feira comprovou foi a chegada do fonsequismo a Paris.
Os brasileiros eram muitos, mas a mancha gaulesa dominava, claro está, e mesmo construindo vantagem sobre um anfitrião o forasteiro conseguiu conquistar o público da casa. Ponto a ponto, jogo a jogo e set a set, os 9162km que separam o Rio de Janeiro de Paris por via aérea foram sendo reduzidos e transformados em ovações, os aplausos e suspiros de um povo rendido a um talento geracional.
João Fonseca ainda só tem 18 anos e já a entrar num patamar em que, nas últimas décadas, só Roger Federer, Rafael Nadal, Novak Djokovic (ainda que em menor escala neste aspeto) e mais recentemente Carlos Alcaraz e Jannik Sinner tiveram lugar: o de reclamar para si corações que batiam noutro sentido.
É a proliferação do fonsequismo, esse fenómeno que, curiosamente, tem pegada portuguesa.
A tendência filosófica surgiu como referência ao filósofo e padre português Pedro da Fonseca (1528-1599), na época apelidado de “Aristóteles Português”.
Meio milénio depois, tornou-se sinónimo de uma maré de apoio.
Naquele Court 14, antes de ser ovacionado em uníssono, João Fonseca precisou de resistir ao envolvimento do público francês, conhecido pelos cânticos, assobios e apupos que podem levar à loucura qualquer visitante. Mas, ao contrário de tantos que já sucumbiram perante tais atmosferas, este brasileiro que em fevereiro conquistou o primeiro título ATP perante centenas de argentinos em Buenos Aires lidou com tudo como mais um dia normal: “Quer dizer… eu venho do Brasil [risos]. O público brasileiro é barulhento, faz-se ouvir. É uma boa sensação, foi ótimo ouvir o público brasileiro a gritar o meu nome e o público francês a gritar o dele.“
O que Roland-Garros não aprendeu a tempo, outros torneios terão de ser rápidos a perceber de forma a maximizarem o fenómeno que já é João Fonseca. E nesse aspeto há que reconhecer mérito ao Millennium Estoril Open, que apostou nele em 2024, no exato mês em que brilhou ao alcançar os quartos de final no Rio de Janeiro e saltou do top 700 para o top 400.
O wild card para o quadro principal que lhe foi entregue deu que falar e foi ainda mais contestado depois da derrota para o modesto Jan Choinski na primeira ronda. Eu próprio teci algumas críticas, sobretudo porque essa decisão atirou para o qualifying Jaime Faria, que tinha acabado de fazer história ao ganhar quatro torneios ITF consecutivos no Algarve. Mas é importante perceber que o Millennium Estoril Open tem vários interesses por trás e, sendo o único das dezenas de torneios internacionais a acontecer em Portugal sem um peso federativo, respondeu a esses interesses.
Infelizmente, a aposta não correu bem do ponto de vista desportivo, mas mediaticamente falando reuniu muito interesse.
A história repetiu-se em 2025, exatamente com os mesmos contornos porque também desta vez (e já como cabeça de série) foi derrotado à primeira no Clube de Ténis do Estoril.
E que pena — que injustiça até — foi esta sequência de acontecimentos.
Teria sido bonito e marcante ver João Fonseca celebrar em Portugal, onde o fonsequismo e a fonsequização (são cada vez mais os termos) teriam ganho contornos difíceis de imaginar com uma campanha porventura bem-sucedida. Tal como foi bonito e marcante ver Carlos Alcaraz fazê-lo ao ganhar no Jamor para entrar no top 100 pela primeira vez, o espanhol que duas semanas antes também foi aposta do Millennium Estoril Open e ainda venceu os dois encontros do qualifying antes de sucumbir em três sets perante Marin Cilic.
Afinal, não sendo impossível, quanto mais meses passam mais improvável se torna voltarmos a vê-lo no nosso teritório.
O comboio do fonsequismo não pára e já está na terceira estação em Paris. E o leitor, já está fonsequizado?