O fim-de-semana não trouxe finais memoráveis, mas trouxe momentos para recordar e registos históricos. Mas o instantâneo que escolho como o mais relevante do torneio não foi de qualquer celebração ou pose com troféu — é uma fotografia tirada na antecâmara do Centre Court e que representa a essência do desporto.
Aquela que, para mim, foi a fotografia do torneio não foi tirada durante ou depois das finais individuais do fim-de-semana — foi tirada antes da final de singulares senhoras, quando Iga Swiatek e Amanda Anisimova estavam na antecâmara que dá acesso ao Centre Court e esperavam ser anunciadas para entrarem no mais prestigiado court do planeta. Por cima delas, na parede, está a lendária inscrição tão associada à história de Wimbledon e que é uma estrofe que faz parte do poema ‘If’, de Rudyard Kipling:
“If you can meet with Triumph and Disaster, and treat those two impostors just the same”
A frase simboliza a essência do desporto amador, nos tempos em que se dizia frequentemente que ‘ganhar ou perder, tudo é desporto’. Com a elevada profissionalização que existe hoje em dia e tantos milhões em jogo, já não será bem assim. Mas a verdade é que, uma hora depois e após o pesado desfecho de 6-0 e 6-0, Iga Swiatek encontrou o Triunfo e Amanda Anisimova encarou o Desastre — será que trataram esses dois impostores da mesma maneira?
As duas mais conhecidas traduções em português do poema ‘Se’ apresentam as seguintes versões:
“Se, encontrando a desgraça e o triunfo, conseguires tratar da mesma forma a esses dois impostores” e “Se podes encarar com indiferença igual o triunfo e a derrota, eternos impostores. Eu seguiria um caminho distinto; optaria por “Se conseguires encarar o triunfo e o desaire, e lidares com esses dois impostores da mesma maneira”.

Amanda Anisimova, na melhor quinzena da sua vida e depois de tanto ter sofrido com a precoce morte do pai e lidado com problemas de saúde mental, esperava pelo Triunfo — até porque tem um tipo de jogo que faz normalmente mossa a Iga Swiatek. Em vez disso, encontrou o Desastre. 6-0 e 6-0 é o resultado mais humilhante do ténis e surgiu na final do mais prestigiado de todos os torneios e no mais famoso de todos os courts. Por sua vez, Iga Swiatek vinha perdendo todas as finais que disputou desde junho do ano passado, mas arrasou completamente a adversária e chegou ao primeiro título de Wimbledon. A polaca ganhou seis finais de torneios do Grand Slam em seis e está de volta aos seus dias de glória, enquanto a americana irá perceber mais cedo ou mais tarde o que a frase de Rudyard Kipling representa.
Para se perceber melhor o alcance da frase, vale a pena ler o poema por inteiro — e quem é pai ou mãe deve partilhá-lo com os filhos. Porque representa o paradigma do equilíbrio perante as armadilhas da vida, a euforia e a depressão, o sucesso e o fracasso, a fama e a infâmia. É impossível não recordar essa estrofe em Wimbledon — não só pela inscrição por cima da porta que dá para o relvado do Centre Court visível na televisão e através da porta exterior ou pelo destaque no Museu do All England Club, mas também porque há sempre um ou outro encontro que remete para o lendário poema escrito em 1895. Este ano, foi a final feminina. Aqui fica o poema na sua íntegra.
If (Se),
por Rudyard Kipling
* tradução de Miguel Seabra
Se conseguires manter a calma quando à tua volta
todos a perdem e te culpam por isso;
Se conseguires manter a fé em ti próprio quando todos duvidam de ti,
mas também fores capaz de aceitar as suas dúvidas;
Se conseguires esperar sem desesperares com a espera,
ou, sendo caluniado, não devolveres as calúnias;
ou, sendo odiado, não cederes ao ódio,
E, mesmo assim, não pareceres paternalista nem presunçoso:
Se conseguires sonhar — e não ficares dependente dos teus sonhos;
Se conseguires pensar — e não transformares os teus pensamentos em certezas;
Se conseguires encarar o Triunfo e o Desaire
e tratar esses dois impostores da mesma maneira;
Se conseguires suportar ouvir a verdade do que disseste,
transformada, por gente desonesta, em armadilha para enganar os tolos,
ou ver destruídas as coisas por que lutaste toda a vida,
e, mantendo-te fiel a ti próprio, reconstruí-las com ferramentas já gastas:
Se fores capaz de arriscar tudo o que conseguiste
numa única jogada de cara ou coroa,
e, perdendo, recomeçar tudo do princípio,
sem lamentar o que perdeste;
Se conseguires obrigar o teu coração e os teus nervos
a ter força para aguentar mesmo quando já estão exaustos,
e continuares, quando em ti nada mais resta
do que a Vontade que lhes diz: «Resistam!»
Se conseguires falar a multidões sem te corromperes,
ou conviveres com reis sem perder a naturalidade;
Se conseguires nunca te sentir ofendido
seja por inimigos, seja por amigos queridos;
Se todos podem contar contigo, mas sem que os substituas;
Se conseguires preencher cada implacável minuto
com sessenta segundos que valham a pena ser vividos,
É tua a Terra e tudo o que nela existe,
E — mais importante ainda — então, meu filho, serás um Homem.