PARIS — Henrique Rocha esteve entre a espada e a parede, levado ao extremo do que é possível enfrentar em torneios do Grand Slam e por isso com pé e meio na porta de saída. Mas encontrou soluções a tempo e protagonizou uma reviravolta heróica para chegar à terceira ronda de Roland-Garros. Este é o primeiro Major em que joga o quadro principal e também o primeiro para o qual viajou ao lado de André Lopes, treinador contratado para reforçar os quadros do CAR/FPT e que depois de um par de horas para processar o sucedido se desfez em elogios e destacou… uma mudança no vestuário.
“Foi brutal vê-lo a vir sem mangas do balneário”, confessou na sequência da deixa lançada a meio da conversa exclusiva com o Raquetc entre a azáfama do Court Philippe-Chatrier. “Demonstra uma afirmação, é dizer ‘eu estou aqui e não quero que isto acabe’. É verdade que o primeiro set foi um bocadinho injusto porque acabou por estar 0-4 e não me chocava muito se estivesse 4-0, não lhe faltaram oportunidades para isso. Mas demorou um bocadinho de tempo a encaixar mentalmente. Não que não estivesse a acreditar, mas acho que entrou a respeitar demasiado o adversário. Parecia que estava à espera que fosse ainda mais difícil e demorou a perceber que afinal não era assim tão impossível. Desperdiçou algumas oportunidades no primeiro set e o segundo foi o mais difícil porque o adversário soltou-se e ele aceitou que o outro estava a ser superior, mas no terceiro cerrou os dentes e o punho e mostrou que tinha uma palavra a dizer.”
“Quando ele veio para o nosso lado no início do terceiro set senti que era importante ele encaixar a mensagem de que, numa semana com tantas primeiras vezes, hoje podia ser a primeira vez que recuperava depois de perder dois sets“, continuou. “E pouco a pouco assumiu as despesas do encontro, foi para cima do adversário quando tinha de ir e fez alguns ajustes táticos fundamentais para neutralizar aquilo que não estava a ser muito fácil no início. Não é que estivesse a falhar muitas respostas, mas nos dois primeiros sets estava a começar muitas vezes o ponto em desvantagem e conseguiu ajustar o posicionamento na resposta para anular os serviços abertos do Mensik dos dois lados. Fechou-lhe essa porta, basicamente obrigou-o a ir para serviços em que não estava tão cómodo em momentos de aperto e ao começar a jogar melhor nos jogos de resposta também começou a servir melhor e a assumir mais os pontos.”
Roland-Garros transformou-se no ponto de viragem de uma época que não estava a correr bem a Henrique Rocha, mas o treinador sentia que o momento estava a chegar: “Já lhe vinha a dizer, lembro-me perfeitamente porque conversámos sobre isto. Saímos do Estoril para Praga e ele fez um muito bom primeiro treino. Falámos de ele conseguir dar 100% em cada treino para tirar o maior sumo possível de cada momento que passava no campo, porque isso era o primeiro caminho para procurar referências que lhe dessem alguma estabilidade e tranquilidade. Estavam a faltar-lhe vitórias, que trazem confiança, mas sem confiança também não há vitórias e pode tornar-se um ciclo vicioso do qual às vezes é difícil sair. Mas ele entrou num registo muito bom em Praga e conseguiu fazer isso na perfeição, teve uma derrota positiva e desde aí tem feito um bom trabalho. Isto não aconteceu do nada, o trabalho acabou por pagar. Podia não ser agora, ser na próxima semana ou no próximo mês porque o ténis é assim. Tem sido uma caminhada fantástica e estou muito feliz por ele, mas é importante manter os pezinhos no chão.”
André Lopes já tinha estado em vários torneios do Grand Slam, desde os tempos em que acompanhou a atual mulher, Ekaterina Lopes, até aos de treinador de Rui Machado, o agora Diretor Técnico Nacional que, há sensivelmente um ano e meio, o convidou para reforçar o Centro de Alto Rendimento da Federação Portuguesa de Ténis — papel que concilia com ao de responsável pelo Racquet Sports & Social Club em Leiria.
“Aquilo que estava desenhado no início da época era eu fazer 10 semanas com o Henrique, o Pedro Sousa fazer 10 semanas com o Jaime Faria e cada um de nós fazer mais 10 semanas com os dois juntos. Eles acabaram por distanciar-se um pouco no ranking e jogar torneios diferentes, mas agora pode ser que cheguem os dois ao mesmo patamar”, explicou, não sem antes fazer um reconhecimento: “O mérito disto é de toda a equipa do CAR. Não podemos esquecer a Neuza Silva, que fez um trabalho fantástio com eles ao longo destes anos todos e foi muito importante no desenvolvimento deles.”
A desbloquear território desconhecido em Paris, onde nunca um homem português tinha chegado à terceira ronda e agora são dois a fazê-lo (Nuno Borges também faz parte do CAR e está em Roland-Garros acompanhado por Hugo Anão), tem-se apoiado na experiência para ajudar o jovem de 21 anos a fazer história: “Contei-lhe que uma das vezes em que vim a Roland-Garros com o Rui ele perdeu um encontro de cinco sets com o Kevin Anderson que por causa da falta de luz [hoje em dia o complexo já tem iluminação artificial em todos os courts] foi interrompido ao 7-7 do último set, porque ainda não havia tie-break no quinto set. Tenho plena consciência de que, se não tivesse ficado para o dia seguinte, era do Rui. E é um bocadinho isso que eu tento transmitir ao Henrique, que as coisas podem parecer difíceis e eles podem servir muito bem, mas ele tem as armas dele e vai desgastando os adversários. Os serviços que desequilibram no primeiro set não vão desequilibrar da memsa forma no quinto e tu vais conseguir equilibrar as coisas com as tuas armas. E este encontro acabou por ser um pouco isso. Cada Grand Slam tem a sua história e a sua memória, mas este está a ser, sem dúvida, o mais marcante como treinador e é um desbloquear de etapas muito bonito de ver que torna a experiência espetacular.”
E agora, qual é a mensagem para alguém tão novo a fazer tanta história de uma vez só?
“Tem sido, desde o início deste torneio, encarar cada nova experiência, oportunidade, desafio e dificuldade com uma oportunidade de crescer e, ao mesmo tempo, retirar o zoom do encontro em si e perceber que isto é um marco na carreira dele, mas que se tudo correr bem será uma carreira muito longa e se ele conseguir olhar para trás daqui a uns tempos e perceber que foi uma experiência importante no crescimento como jogador. É importante transportar estas aprendizagens todas e, depois de um merecido reset quando o torneio acabar, conseguir encaixar isto nas próximas semanas, meses e anos. É obviamente um marco importante, mas por muito bem que lhe corre terá de continuar a trabalhar”, rematou.
Excelente entrevista do André Lopes. Espero que o Hugo Rocha e o Nuno Borges estejam no proximo jogo, ao mais alto nível. Custou foi chegar até aqui. Agora é surfar a onda da vitória. Parabéns.