Sem o ingrediente principal, a Itália cozinhou um clássico e apurou-se para a final da Taça Davis pelo terceiro ano consecutivo. Agora em casa, a maior potência do ténis tem ainda mais história à vista ao cair da neve.
Por Gaspar Ribeiro Lança, em Bolonha
Flavio Cobolli vestiu a capa de herói, salvou sete match points numa ode à Taça Davis e levou à loucura a improvisada SuperTennis Arena numa BolognaFiere decadente. O Campeonato do Mundo do Ténis continua sem se encontrar por completo, mas mantém uma ligação ao passado com o surgimento de novos heróis. Vamos por partes.
Depois de duas expedições bem-sucedidas a Málaga, os italianos pagaram o preço do próprio sucesso e viram-se privados dos dois top 10 na estreia como anfitriões da fase final, mas colheram os frutos de uma qualidade abrangente e com uma naturalidade quase assustadora fizeram esquecer as ausências de Jannik Sinner e Lorenzo Musetti.
As duas vitórias em sets diretos nos quartos de final contra a Áustria não andaram longe de ser replicadas, mas felizmente para os cerca de 10.000 espetadores que voltaram a esgotar o recinto houve mais emoção na reta final desta sexta-feira.
Sim, os italianos queriam bater a Bélgica e repetir a presença na final, mas qualquer adepto gosta de celebrar com emoção à mistura e nas primeiras quatro horas da jornada houve pouco a experienciar. Matteo Berrettini cumpriu perante Raphael Collignon, sofrendo (uma verdadeira hipérbole) apenas por culpa própria ao perder o break de atraso na segunda partida. E Cobolli nunca viu o serviço ameaçado até ao arranque do parcial decisivo, que catapultou o embate frente a Zizou Bergs para uma dimensão estratosférica pela qualidade de jogo e drama que o marcador ganhou.
Spoiler alert: 6-3, 6-7(5) e 7-6(15) foram os parciais de um triunfo épico selado com o sexto tie-break mais longo da história da competição.
Bergs quebrou a timidez perante um público unilateral — apenas algumas dezenas de belgas fizeram a viagem até Bolonha — com a conquista da segunda partida e transformou-se por completo. O visitante anulou um 40-0 no serviço do anfitrião ao 1-1 para criar os primeiros pontos de break de todo o embate (três nesse jogo) e apesar de não ter aproveitado nenhum reclamou o momentum. Cobolli foi testado, testado e testado, voltou a resistir ao 4-4 e com o embalo de mais um ponto de break salvo fez algo típico do compatriota mais cotado, retaliando logo de imediato para criar dois match points.
Entre a espada e a parede, Bergs também correspondeu e a qualidade do encontro disparou em flecha ao 5-5. Quanto maior a pressão, melhores as pancadas. A imprevisibilidade apoderou-se do marcador e deu contornos épicos a um tie-break único, com (muitos) match points para ambos os lados. Cobolli teve sete em todo o encontro, os mesmos do belga, que no último arriscou um amortie demasiado longo e ofereceu ao jogador da casa mais uma oportunidade para finalmente encontrar um grande serviço quando mais precisava. Euforia total, respirou-se Taça Davis.
A estrutura improvisada tremeu, os adeptos levantaram-se e viveu-se um autêntico ambiente de festa numa meia-final que fez lembrar os tempos antigos, aqueles em que todas as eliminatórias da competição aconteciam com um país na condição de anfitrião.
Cobolli, entretanto de t-shirt rasgada e lágrimas nos olhos, levou a Itália à terceira final consecutiva — algo que não acontecia desde 2001, pelas mãos da Austrália, e que deixa o país mais perto de tornar-se no primeiro desde a abolição do formato Challenge Round (até então o campeão em título tinha um bye direto até à final), em 1971, a conquistar três “saladeiras” consecutivas.
Espanha, desfalcada de Carlos Alcaraz, ou Alemanha, liderada por Alexander Zverev, separam-na de mais história numa altura em que a neve ameaça cobrir de branco a capital temporária do ténis.
Sobre o palco desta fase final, a sexta desde que a Federação Internacional de Ténis provocou um terramoto na história, uma primeira nota: se a adoção do novo formato foi sempre duvidosa pela rutura com a tradição que caracterizava a Taça Davis, a escolha dos recintos é tão ou mais desapontante e revela-se um autêntico tiro nos pés à intenção de a promover.
Enquanto a Caja Mágica de Madrid, escolhida para a edição inaugural das Davis Cup Finals em 2019, cumpria o papel de contemporânea agregadora das melhores seleções do mundo, o Palacio de Deportes José María Martín Carpena de Málaga já deixou a desejar pelo recuo na modernidade, mas compensava pela envolvência — só tornada possível belas temperaturas agradáveis naquela localidade espanhola, diga-se.
Em Bolonha, todo o estádio foi improvisado com bancadas amovíveis dentro de um centro de congressos do século passado, megalómono e ao mesmo tempo parco em envolvência, os enormes halls e longos acessos totalmente despidos de ativações ou branding da Taça Davis — à imagem do que acontece nas ruas da cidade, praticamente alheia à cimeira tenística.