Alfie Hewett, o número um mundial que quase foi expulso do circuito só vai parar quando for o melhor de sempre

Sara Falcão/FPT

VILAMOURAAlfie Hewett só tem 24 anos, mas já é uma das grandes estrelas do ténis em cadeira de rodas e foi com esse estatuto que viajou para Portugal com o objetivo de defender as cores da Grã-Bretanha no Campeonato do Mundo de Equipas de Ténis em Cadeira de Rodas (BNP Paribas World Team Cup). A acontecer pela primeira vez no nosso país, a fase final da competição desenrola-se na Vilamoura Tennis & Padel Academy, que também foi palco da entrevista ao atual número um mundial.

Sei que é a tua primeira vez em Portugal. Qual é a tua opinião destes primeiros dias?

É verdade, é a minha primeira vez no vosso país. Sempre quis vir cá de férias, mas acabei por nunca conseguir e estou impressionado — é um ótimo recinto para receber o Campeonato do Mundo. E depois temos este tempo incrível, um ótimo hotel e são todos muito simpáticos, por isso estou a gostar muito.

Olhando para o plano competitivo, que análise fazes agora que terminou a fase de grupos?

É óbvio que queríamos ir até ao fim e conquistar o troféu de campeões, mas este ano temos uma equipa pouco experiente, por isso ainda estamos a habituarmos à forma como a World Team Cup funciona, mas este foi um ano importante para os jogadores mais jovens ganharem experiência. Terminar no segundo lugar foi um bom resultado para todos e pessoalmente estou satisfeito com os encontros que fiz até agora.

Imagino que tudo fosse diferente se o Gordon Reid (ex-número um, atualmente no quarto lugar, que desistiu a poucos dias do início) estivesse na equipa. Sentem a falta dele?

Ele é uma parte muito importante para a equipa no que diz respeito à World Team Cup. Não há muitos países que possam dizer que têm dois jogadores no top 5 mundial, por isso a sua presença teria aumentado as nossas expetativas e também as nossas hipóteses de forma considerável. Infelizmente tem tido muitas dificuldades com as lesões nos pulsos, mas mesmo assim temos um grupo de jogadores muito bom e vamos lutar pelo quinto lugar, que já seria uma melhoria em relação ao nosso estatuto de cabeças de série [sextos].

E o que é que significa para ti representares a equipa britânica, não só aqui, como nos Jogos Paralímpicos e, claro, enquanto atleta individual?

É um privilégio enorme. É preciso treinar muito, não se entra para a equipa da Grã-Bretanha só porque sim. É algo que tens de fazer por merecer e que chega acompanhado de um enorme peso, porque estás não só a representar-te a ti, como ao teu desporto e ao teu país. E sobretudo nos Jogos Paralímpicos, em que todo o país te acompanha, há muitas expetativas. Esta é uma prova mais pequena se compararmos com os Jogos Paralímpicos, mas mesmo assim muito importante para todos os que estão envolvidos na equipa britânica ou no ténis em cadeira de rodas, por isso é muito importante para mim que façamos o melhor que conseguimos.

Já jogaste tudo o que havia para jogar, desde o Campeonato do Mundo aos Jogos Paralímpicos e Wimbledon. Como é que encaras este tipo de competições?

São todas muito importantes. É claro que em Wimbledon tenho a influência, não é a palavra certa, mas pronto, de ser um tenista britânico e isso faz com que possa fazer a diferença ao destacar-me, mas os Jogos Paralímpicos e a World Team Cup também são excelentes oportunidades. Enquanto atletas, o nosso primeiro objetivo é cumprir o trabalho fazendo o nosso melhor e ganhar, mas estes torneios também são uma excelente oportunidade para fazermos alguém acreditar que é possível fazer parte deste desporto, fazê-los sonhar que um dia podem ser eles. Depende sempre da visibilidade e exposição mediática que temos, mas estes torneios são uma ótima oportunidade para servirmos de inspiração e se o conseguirmos fazer só vamos ajudar o desporto a crescer.

Aproveitando essa deixa, qual foi o momento em que te sentiste inspirado e começaste a praticar ténis em cadeira de rodas?

Comecei quando tinha cerca de oito, nove anos, no ténis social. Passei a usar uma cadeira de rodas e envolvi-me no ténis pela parte social, para me divertir, fazer amigos e voltar a praticar um desporto. Dois anos depois já fazia parte de centros de treino e competia no circuito júnior, mas o primeiro momento para o qual, digamos, olho para trás é o Junior Masters de 2012. Essa foi a minha primeira grande conquista, ganhei de forma surpreendente e terminei esse ano como número um mundial. Nesse ano também fui aos Jogos Olímpicos e aos Jogos Paralímpicos de Londres e apercebi-me do interesse que o nosso desporto tinha, vi que só ia continuar a melhorar e acho que isso foi um enorme incentivo para treinar e competir ainda mais. Tive uma excelente infância com a minha família e os meus amigos, foram todos parte da minha jornada e felizmente valeu a pena.

Mais recentemente enfrentaste uma situação muito difícil, quando esteve em cima da mesa a possibilidade de te excluírem do circuito por considerarem que a tua condição [Doença de Perthes — perda momentânea do fluxo sanguíneo na região da anca, com consequente morte dos tecidos da cabeça do fémur] não era, e cito, “suficientemente severa”. Ganhar este recurso deixou-te mais forte do que nunca?

É verdade, foram dois anos muito difíceis por causa desta situação, mas felizmente tudo terminou com as melhores notícias possíveis. Não conseguia imaginar-me a não poder disputar o desporto de que mais gosto, que é uma coisa que faço há tanto tempo, e deixar de estar envolvido teria sido algo muito difícil de aceitar. Felizmente já não tenho de me preocupar mais com isso e é claro que desde que ficou resolvido vivo com muito menos stress. Entrei nesta época muito mais relaxado e mais livre do que nunca e isso sente-se no meu ténis, porque deixei de me preocupar com esta questão. Mas continuo a ter muita pressão porque faço questão de a colocar em mim próprio. Quero ganhar Wimbledon, quero ganhar uma medalha de ouro, quero ganhar tudo nem que seja uma vez e é claro que isso coloca muita pressão quer em mim, quer nas pessoas à minha volta.

Por falar nisso, qual é o teu maior sonho?

É uma boa pergunta. Quero ganhar tudo: todos os torneios do Grand Slam, todos os torneios possíveis, todas as medalhas de ouro. Quero ‘fazer o check’ em todos os torneios do Grand Slam e sei que um dia o vou fazer porque não me vou retirar até conseguir. O Shingo [Kunieda, maior campeão da história, com 46 títulos em torneios do Grand Slam, 26 em singulares] tem um recorde impressionante, mas ainda não houve um tenista masculino a completar o Grand Slam em singulares [apenas houve na categoria quad] e ele inspira-me a igualar e superar o seu recorde. Para mim isso é muito importante, mas, e esta é uma resposta honesta, também quero ajudar o desporto a crescer. Se conseguirmos ter mais pessoas envolvidas no ténis em cadeira de rodas e tornar o desporto ainda melhor no futuro esse também é um sonho.

Alfie Hewett
24 anos (6 de dezembro de 1997)
Nascido em Norwich, Inglaterra
Ranking atual em singulares: 1
Ranking atual em pares: 2
Melhor ranking em pares: 1
Maiores títulos: 5 títulos de singulares e 14 em pares em torneios do Grand Slam; medalha de prata em singulares nos Jogos Paralímpicos de 2016 e em pares em 2016 e 2021; vencedor do Masters de singulares e pares em 2017;

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