Especial portugueses em Roland-Garros: Rui Faria e as várias vertentes do trabalho de fisioterapia (e não só) com Jiri Vesely

Rui Faria é fisioterapeuta, começou a viajar no circuito quando conheceu Jiri Vesely num torneio Challenger em Portugal e em fevereiro fez parte do momento mais alto da carreira do checo, que derrotou Novak Djokovic a caminho da final do ATP 500 do Dubai. Meses antes já tinha voado até Nova Iorque, para o US Open, e desta vez teve como destino Paris, a propósito de Roland-Garros. Foi durante o torneio do Grand Slam francês que se reencontrou com o Raquetc para mais uma conversa sobre o trabalho com o atual número 73 mundial, que apesar da boa réplica perdeu em quatro sets (6-7[4], 7-6[4], 6-3 e 6-2) para o norte-americano Steve Johnson na primeira ronda.

Por Gaspar Ribeiro Lança, em Roland-Garros

Raquetc: A última vez que falámos foi depois do torneio do Dubai, no final de fevereiro. O que é que se passou nos últimos três meses?

Rui Faria (RF): Não viajava com ele desde o Dubai. Quando houve o Millennium Estoril Open ele esteve para passar a semana anterior em Portugal, mas acabámos por só nos encontrar no torneio. Mas há um contacto muito permanente e o trabalho é contínuo. Como disse na altura, no fundo o segredo é manter sempre os processos, manter as rotinas. Depois de Marraquexe tivemos uma situação clínica [uma lesão muscular] que fez com que ele não estivesse a 100% e dentro desse contexto tivemos de adaptar os processos para que ele pudesse jogar da forma mais saudável possível para chegar aqui na melhor forma que conseguisse. Dentro desse trabalho tentámos manter ao máximo o que não afetava a lesão.

O que é que podes revelar desse trabalho que têm feito?

(RF): Há alguns pormenores importantes. O Jiri nunca vai ser um jogador muito rápido, mas em contrapartida só precisa de quatro ou cinco passos para estar na rede. Então o que trabalhamos muito não é a velocidade, mas sim a velocidade de reação, porque se ele for rápido a reagir vai ser suficientemente rápido para fazer o jogo dele. Na perspetiva da performance esse é um dos aspetos mais diferenciadores que temos tentado trabalhar. Tento ajudá-lo não só na parte da fisioterapia, mas também nas neurociências aplicadas à performance. Temos trabalhado tudo o que é trabalho visual, velocidade de reação, trabalho cognitivo associado à velocidade e está a dar bons resultados. Como sabes eu viajo 10 semanas por ano com ele, portanto há coisas que mantenho através do contacto com o preparador físico e o mesmo acontece quando estou eu e ele não. Tentamos compensar.

E em relação a Roland-Garros, houve algum trabalho específico?

(RF): Mantivemos os nossos processos habituais porque acreditamos neles, seja uma primeira ronda ou uma final. Mas há algumas coisas próprias. A questão dos cinco sets, por exemplo, faz com que tentemos que o Jiri faça o treino de reação em fadiga, porque a maior parte das tomadas de decisão vai acontecer em fadiga. Também há algumas adaptações na parte da preparação física em si, mas neste caso tivemos de ter a preocupação de o recuperar da situação que teve antes do Estoril.

Para além dos cinco sets aqui em Roland-Garros, a terra batida tem uma particularidade que está relacionada com a sobrecarga excêntrica. Neste piso é tudo à base de uma solicitação mais excêntrica, ou seja, os músculos contraem enquanto alongam em movimentos como o deslizar na terra. Então em tudo o que é trabalho quer em gabinete, quer em ginásio temos isso em conta para adaptarmos o treino e prepararmos os músculos para esta sobrecarga mais excêntrica. No piso rápido isto não acontece tanto, é um trabalho mais explosivo, mas na terra batida há este contexto e também é preciso prepará-lo para os pontos mais longos, mas isso já tem mais a ver com a parte do condicionamento.

Fala-se da terra batida como uma superfície melhor para o corpo…

(RF): Não é assim tão simples. No caso do Jiri, e tendo em conta as condições antropológicas dele, diria que se calhar esta é a superfície mais desafiante. Há uma questão que não podemos descurar, porque tem um impacto direto na performance e na predisposição para a lesão, que é a componente motivacional para o tipo de piso. Isto tem um impacto direto, uma pessoa está muito mais perto de se lesonar se não estiver motivada para uma determinada superfície. Não é o caso dele, mas como sabes há muitos atletas que têm este problema e nesses casos as queixas estão muito mais perto de aparecer. Estas lesões são multifatoriais, não acontecem só por uma causa estrutural ou biomecânica, por isso também tem de se ter isso em conta. É muita coisa junta (risos).

E como gerem os treinos quando já estão num torneio do Grand Slam?

(RF): Sabíamos que no primeiro dia íamos dar mais carga, até porque ele está numa fase de readaptação física, mas nos últimos dois dias descarregámos um pouco e hoje, na véspera da primeira ronda, só treina uma vez. Não estamos à espera de ganhar nada agora no que diz respeito à condição física, é só prepará-lo para os jogos. O que tínhamos de ganhar, já ganhámos, agora é preparar e recuperar da melhor forma possível. Lá está, temos uma rotina bem definida e não abdicamos dela. A recuperação é feita com uma corrida aeróbica de sete a 10 minutos, um banho de gelo, uma massagem e alongamentos, dura cerca de hora e meia.

Depois da terra batida vem a relva, como é que fazem essa transição?

(RF): O trabalho de condicionamento vai muito no sentido da imprevisibilidade e da necessidade de haver uma grande variabilidade e disponibilidade motora para uma superfície como a relva, que para nós é um momento importante da época. O Jiri vai disputar dois torneios Challenger em relva para ter a possibilidade de jogar e ter mais momentos competitivos. O plano seria chegar no topo de forma a Wimbledon, mas infelizmente as últimas notícias [ausência de pontos para o ranking como consequência da exclusão de russos e bielorrussos por parte do All England Club] não nos ajudaram muito com esse planeamento.

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