100 anos de Centre Court, o palco mítico de tanta história que sobreviveu à II Guerra Mundial

Worple Road foi a primeira morada, mas desde 1922 que Wimbledon acontece no All England Lawn Tennis and Croquet Club de Church Road, no mesmo subúrbio a sudoeste de Londres. E é aqui que este ano se celebra não só o 100.º aniversário do recinto como casa do torneio mais antigo e prestigiado do mundo, como o 100.º aniversário do Centre Court, palco dos encontros mais especiais da história e pelo qual passaram todos os campeões da modalidade.

Por Gaspar Ribeiro Lança, em Wimbledon

O verdadeiro aniversário do Centre Court deu-se a 26 de junho de 2022, na véspera do arranque do torneio, mas a organização decidiu — e bem — celebrar a ocasião com pompa e circunstância e escolheu o domingo seguinte para o fazer.

O dia não podia ter sido mais apropriado: no primeiro ano em que, por vontade dos responsáveis, houve ténis no Middle Sunday (até 2021, o “domingo do meio” era dia de descanso em Wimbledon, contando-se quase pelos dedos das mãos as vezes em que, por causa da chuva, foi necessário recorrer-se a esta jornada para completar encontros em atraso), foi dia de gala no All England Lawn Tennis Club — como entretanto ficou conhecido por ser agora inteiramente dedicado ao ténis.

E ninguém organiza um evento de gala como os ingleses.

Assim, um a um, foram chamados ao Centre Court os ex-campeões que tiveram disponibilidade para marcar presença na cerimónia (houve ausências notáveis, como Pete Sampras ou Serena Williams, que até competiu em Wimbledon este ano).

Angela Mortimer (campeã em 1961) foi a primeira, seguida de Ann Jones (1969), Stan Smith (1972), Jan Kodes (1973), Pat Cash (1987), Conchita Martínez (1994), Martina Hingis (1997), Goran Ivanisevic (2001), Lleyton Hewitt (2002), Marion Bartoli (2013), Angelique Kerber (2018) e Simona Halep (2019), aos quais se seguiram os detentores de dois troféus — Stefan Edberg (1988 e 1990), Rafael Nadal (2008 e 2010), Petra Kvitova (2011 e 2014) e Andy Murray (2013 e 2016), que naturalmente recebeu uma das maiores ovações da tarde.

Depois, foram chamados Margaret Court (1963, 1965 e 1970), John Newcombe (1967, 1970 e 1971), Chris Evert (1974, 1976 e 1981) e o próprio John McEnroe (1981, 1983 e 1984), que apresentou a cerimónia ao lado de Sue Baker, bem como Rod Laver (com quatro títulos, em 1961, 1962, 1968 e 1969), Bjorn Borg (com cinco consecutivos, em 1976, 1977, 1978, 1979 e 1980) e Venus Williams (2000, 2001, 2005, 2007 e 2008).

De mais do que uma mão para contarem os seus troféus precisam Billie Jean King (1966, 1967, 1968, 1972, 1973 e 1975), Novak Djokovic (2011, 2014, 2015, 2018, 2019 e 2021), ambos com seis, e… Roger Federer. O suíço, campeão de Wimbledon em oito ocasiões (2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2009, 2012 e 2017), foi o último a ser chamado.

O guião previa que a ele se seguisse ainda Martina Navratilova (recordista de títulos em singulares, com nove em 1978, 1979, 1982, 1983, 1984, 1985, 1986, 1987 e 1990, aos quais junta outros 11 entre pares e pares mistos), mas um teste positivo à covid-19 horas antes afastou a norte-americana da cerimónia e estendeu o tapete a que Federer fosse não só o último, como recebesse, de longe, a maior ovação do dia, talvez surpreendendo os 15.000 espetadores com a sua presença, certamente demonstrando que junto deles continua a ser ele a figura mais acarinhada.

Com muita classe e muitos campeões, Wimbledon honrou a história do palco mais sagrado do ténis.

Esta história teve início em 1922, quando os 8.500 lugares do Centre Court de Worple Road já não eram suficientes para dar resposta à enorme afluência do público e os “The Championships” ganharam uma nova morada no All England Lawn Tennis and Croquet Club de Church Road.

Naquela época, o torneio começava com um quadro de “all-comers” em eliminação direta no qual podiam participar todos os que conseguissem qualificar-se e que dava acesso à ronda única conhecida como “challenge round”, um formato que significava que o campeão e a campeã da edição anterior não precisavam de fazer nada para defenderem os seus troféus até o resto do quadro estar resolvido.

E em 1919 uma Suzanne Lenglen com apenas 20 anos, que participava no torneio pela primeira vez, atraiu as atenções dos britânicos ao superar as sete rondas do quadro “all comers” para desafiar e vencer a campeã em título, a britânica Dorothea Lambert Chambers, numa challenge round épica que terminou com os parciais de 10-8, 4-6 e 9-7.

Foi o primeiro título em torneios do Grand Sam para a francesa, que mais tarde a imprensa do seu país apelidou de “La Divine”.

Lenglen — que nos dias de hoje dá nome ao segundo maior court de Roland-Garros — revolucionou o ténis feminino graças ao seu estilo de jogo agressivo e ofensivo, até então apenas praticado pelos homens, mas também pelas mudanças que originou no que diz respeito às vestimentas da época.

Nessa final, para além do ténis que lhe permitiu conquistar o título, a jovem francesa também deu que falar pelo vestido branco com que entrou no Centre Court original. Numa época em que o público britânico estava habituado a ver mulheres equipadas com várias e longas camadas de roupa, Lenglen utilizou um vestido de peça única, mangas ligeiramente acima do cotovelo e uma bainha logo abaixo do joelho que, de acordo com os relatos da época, terá feito com que várias mulheres abandonassem as bancadas.

A enorme popularidade que ganhou pelos feitos dentro do court tornou Suzanne Lenglen num fenómeno junto do público britãnico e a francesa terá sido uma das responsáveis pela necessidade do torneio passar para outras instalações em 1922.

Assim, em 1922 o torneio de Wimbledon aconteceu pela primeira vez no novo complexo de Church Road, um terreno comprado um par de anos antes por 7.870 libras e no qual em menos de dois anos foi construído um court central com capacidade para cerca de 13.589 espetadores, feito de 3.000 mil toneladas de cascalho, 1.700 toneladas de areia e 600 toneladas de cimento em apenas nove meses.

Ao contrário do Centre Court de Worple Road, que assim foi apelidado por se situar no meio do complexo, o Centre Court de Church Road, projetado pelo arquiteto Stanley Peach, foi construído num dos extremos das novas instalações, que incluíam outros 12 courts, mas o nome pegou.

O No. 2 Court original foi construído pouco depois, em 1923, com capacidade para 2.192 espetadores sentados e 770 de pé, enquanto o No. 1 Court original ficou concluído em 1924, com uma capacidade inicial de 2.500 lugares sentados e 750 lugares em pé, que ao longo dos anos evoluiu para 7.328 lugares sentados.

Vista aérea do Centre Court em construção (1921 ou 1922)

Porque é de Londres que estamos a falar, a inauguração do novo Centre Court a 26 de junho de 1922 foi atrasada pela chuva.

Liderada pelo Rei Jorge V e pela Rainha Maria I, a cerimónia de abertura estava marcada para as 14h45, mas foi apenas uma hora depois que sua majestade apareceu na Royal Box, deu três toques no gongo e declarou o Centre Court do All England Lawn Tennis and Croquet Club como a nova casa de Wimbledon. Segundo a história, seguiu-se a quinzena mais chuvosa da história do torneio.

Os mesmos relatos contam que o encontro escolhido para a inauguração colocou frente a frente os britânicos Algernon Kingscote e Leslie Godfree (6-1, 6-3 e 6-0), mas terá sido a estreia de Suzanne Lenglen, contra a britânica Kitty McKane, a tornar-se no primeiro verdadeiro fenómeno de adesão ao novo Centre Court.

Foi a primeira vez que os campeões em título precisaram de entrar em ação no início do quadro, com o ano de 1922 a marcar a abolição da “challenge round” e a colocar todos os jogadores em pé de igualdade, e o público respondeu à mudança.

Em “The Bud Collins History of Tennis”, o jornalista diz que “a popularidade de Lenglen era tanta que, antes do seu primeiro encontro, uma fila de mais de uma milha e meia de espetadores [sensivelmente 2.400 metros] estendia-se desde a estação do metropolitano até à entrada do All England Club.”

A chuva que atrasou a inauguração das novas instalações prolongou-se por todo o torneio e levou ao adiamento da primeira final não por umas horas, mas por vários dias. E só às 19 horas de uma quarta-feira em que já não deveria haver ténis em Londres é que as duas jogadoras pisaram o Centre Court. A francesa perdeu os dois primeiros jogos, mas uma troca de palavras à rede “incendiou-a” e não voltou a olhar para trás, vencendo 12 jogos seguidos para revalidar o título de campeã numa final que concluiu em 23 minutos — a mais curta da história de Wimbledon.

Nos 100 anos que se seguiram, Wimbledon e o seu Centre Court foram palco de alguns dos momentos mais simbólicos e importantes da história do ténis — e não só por causa do que foi feito de raqueta na mão.

Se em 1919 a francesa Suzanne Lenglen chocou o público britânico ao surgir em ação com um vestido, em 1931 a britânica Joan Lycett tornou-se na primeira mulher a jogar no Centre Court com uma saia mais curta, a bainha ligeiramente abaixo do joelho, e meias de cano baixo, deixando de parte os tradicionais collants.

Gussie Morgan com um dos vestidos mais célebres da história de Wimbledon

Em 1949, a norte-americana Gussie Moran foi a primeira mulher a utilizar um vestido curto que, em determinados movimentos, deixava à mostra a sua roupa interior — uma das maiores polémicas de Wimbledon naquela época e que levou a que durante várias edições os responsáveis exigissem roupas mais compridas. Dois anos antes, em 1947, o também norte-americano Jack Kramer foi o primeiro homem a celebrar a conquista de um título vestindo calções. Era o ínício do adeus às tradicionais calças.

Código indumentário à parte, foi também nos anos 40 que o torneio de Wimbledon viveu o seu período mais negro. Durante a II Guerra Mundial foram construídas no bairro com o mesmo nome fábricas de metralhadoras, de velas de ignição e de baterias antiaéreas que o tornaram numa zona de interesse para Adolf Hitler.

O jornalista, historiador e comentador Richard Evans, autor do livro “The History of Tennis”, recorda que mais de 1.000 bombas caíram no bairro de Wimbledon entre 1939 e 1945, com a noite de 11 de outubro de 1940 a ficar marcada pelas cinco bombas que atingiram o All England Club.

Não houve registo de feridos ou vítimas mortais e, dos cinco projéteis de 250kg cada um, dois explodiram no campo de golfe adjacente, um na entrada e um num armazém de ferramentas. Mas a quinta e última bomba atingiu o Centre Court, destruindo parte da cobertura e deixando uma enorme cratera numa área que costumava incluir 1.200 lugares.

“Sem tempo ou dinheiro para a repararem, arranjaram-no”, recorda o jornalista. “Foi só em 1949 que o Centre Court voltou ao que devia ser e ficou impecável.”

Durante a guerra, o clube serviu de campo militar, armazenamento de ambulâncias e outros veículos de emergência e até de quinta para animais, de forma a alimentar civis e soldados.

Cancelado durante a I Guerra Mundial (1915, 1916, 1917 e 1918), Wimbledon também não aconteceu em 1940, 1941, 1942, 1943, 1944 e 1945 por causa da II Guerra Mundial. E foram precisas mais de três décadas após o reatamento para se verem os primeiros sinais de evolução, com uma adição de 1.088 lugares ao Centre Court a concretizar-se em 1979, com destaque para as 74 cadeiras Lloyd Loom que ainda hoje preenchem a Royal Box.

Ainda mais significativa foi a expansão que se seguiu. Em 1980, mais de meio século depois da mudança de recinto, o All England Club cresceu e o Centre Court passou a estar localizado no meio do complexo, à semelhança do que acontecia com o Centre Court original, em Worple Road.

Vista aérea do All England Lawn Tennis Club em 1983, com o No. 1 Court na lateral do Centre Court (AELTC/Michael Cole)

Em 1997, demoliu-se o No. 1 Court original — construído numa das laterais do Centre Court e onde John McEnroe proferiu a célebre fase “You cannot be serious!” na direção do árbitro Edward James durante o encontro da primeira ronda com Tom Gullikson, no ano em que derrotaria Bjorn Borg na final para conquistar o título pela primeira vez.

A área que o campo ocupava deu lugar ao Millennium Building, edifício destinado ao media center e a áreas de jogadores e membros do clube. E o novo No. 1 Court foi construído a Norte, com uma capacidade inicial de 11.432 espetadores, significativamente superior aos 7.328 lugares lugares do No. 1 Court original.

Por esta altura também o Australian Open estava a dar um salto qualitativo muito significativo e, com a entrada no século XXI, passou de torneio do Grand Slam tantas vezes ignorado pelos grandes campeões a ser considerado por muitos como o “Major” que melhores condições reunia.

A revolução começou em 1988, quando o Australian Open mudou do Kooyong Stadium para Flinders Park (atualmente conhecido como Melbourne Park), trocou o mês de dezembro, no final da época, pelo de janeiro, no início do calendário, e a relva pelos hard courts. E também inaugurou o primeiro court do mundo com uma cobertura amovível — a Rod Laver Arena.

Desde aí, os torneios do Grand Slam têm “batalhado” pelas melhores condições e em 2009 o torneio de Wimbledon tornou-se no segundo a inaugurar uma cobertura amovível.

O acrescento da estrutura ao Centre Court implicou a destruição da cobertura que desde a sua construção, em 1922, cobria os assentos dos espetadores e em 2007 e 2008 o torneio desenrolou-se mesmo sem qualquer tipo de proteção por cima das bancadas.

Quatro anos depois, em 2013, também o No. 1 Court ganhou uma cobertura amovível, que graças aos trabalhos resultou num acrescento de aproximadamente 1.000 lugares, para uma capacidade de 12.345 espetadores.

Entretanto, o Australian Open já conta com três courts com tetos retráteis (à Rod Laver Arena juntaram-se a Margaret Court Arena e a John Cain Arena), Roland-Garros concluiu em 2020 o acrescento de uma estrutura semelhante ao Court Philippe-Chatrier e planeia fazer o mesmo no Court Suzanne-Lenglen a tempo de 2024 e o US Open, que possui o maior court de ténis fixo do mundo, também dotou o Artur Ashe Stadium e o Louis Armstrong Stadium de coberturas retráteis, concluídas respetivamente a tempo das edições de 2016 e 2018.

Mas a corrida não se fica por aqui: em 2018, os sócios do Wimbledon Park Golf Club aprovaram a venda dos 30 hectares de terreno ao All England Club, um negócio avaliado em 65 milhões de libras (cerca de 72,3 milhões de euros) que vai permitir ao clube britânico triplicar o tamanho do torneio de Wimbledon.

De 17 hectares, passará para 47 hectares. No novo terreno será construído um novo show court (o Parkland Court, com capacidade para 8.000 espetadores) e cerca de três dezenas de outros campos que inclusive permitirão que o qualifying passe a ser disputado no mesmo recinto que os quadros principais. As zonas mais sinuosos do ex-terreno de golfe serão destinadas a um parque público.

Vista atual do All England Club, apesar de a fotografia (de 2020-2021) não incluir o recém-inaugurado Indoor Tennis Center, adjacente ao clube.

De volta à história do Centre Court, dela também faz parte uma das primeiras transmissões televisivas em direto a partir de um evento desportivo: foi em 1937 que a BBC levou pela primeira vez o torneio de Wimbledon às casas dos britânicos, com aproximadamente 30 minutos diários de ténis ao vivo.

As dúvidas em torno do sucesso da transmissão fizeram com que a estação televisiva não a publicitasse, mas as duas câmaras — uma num canto, outra no topo — instaladas no Centre Court estiveram à altura do desafio e, no dia 21 de junho de 1937, o encontro da primeira ronda entre Bunny Austin e George Lyttleton Rogers foi transmitido em direto.

Depois da II Guerra Mundial, as janelas de transmissão em direto tornaram-se mais longas e, em 1967, o torneio de Wimbledon foi primeiro evento a ser oficialmente transmitido a cores, com mais de quatro horas de cobertura em direto na BBC.

Entrar numa viagem do tempo pelos encontros mais importantes da história de Wimbledon seria uma aventura perigosa porque, na impossibilidade de os referir a todos, ficariam sempre de parte acontecimentos marcantes. Ainda assim…

Em 1957, Althea Gibson fez história neste mesmo Centre Court ao tornar-se na primeira mulher negra a ganhar Wimbledon. Foi a 6 de julho, com uma vitória por 6-3 e 6-2 frente à também norte-americana Darlene Hard, num dia em que a Rainha Isabel II visitou o All England Club pela primeira vez (voltou a fazê-lo em 1962, 1977 e 2010) e apertou a mão à campeã na cerimónia de entrega dos troféus.

Mas a luta de Gibson começou muito antes, ainda nos anos 40, quando foi impedida de participar em inúmeros torneios nos EUA. Oficialmente, a segregação não era aceite pela United States National Lawn Tennis Association (atualmente United States Tennis Association), mas a maioria dos torneios aconteciam em clubes que apenas permitiam a entrada de brancos. Só em 1950 foi autorizada a participar pela primeira vez nos U.S. National Championship (o atual US Open), graças à influência da compatriota Alice Marble, e em 1951 tornou-se na primeira mulher negra a disputar Wimbledon. Cinco anos depois foi a primeira tenista negra a conquistar um torneio do Grand Slam, em Roland-Garros 1956, e fez o mesmo no US Open em 1957.

18 anos após o triunfo de Althea Gibson no torneio feminino, o torneio masculino coroou o primeiro campeão negro: foi Artur Ashe, que em 1975 venceu Jimmy Connors, por 6-1, 6-1, 5-7 e 6-4, para conquistar o terceiro e último título de uma carreira que, para além do sucesso no ténis, ficou marcada pela luta contra o Apartheid e o racismo, pela defesa de várias causas sociais e, já retirado, pela luta contra o estigma e a discriminação relacionados com a SIDA — doença que lhe foi diagnosticada em 1988 e que tornou pública em 1992, quando foi forçado pelo USA Today, antes de lhe retirar a vida em 1993.

Entretanto começou a Era Open, os lendários Rod Laver e Billie Jean King venceram essa histórica edição de 1968 e a norte-americana tornou-se na primeira jogadora a triunfar em Wimbledon com uma raquete de metal e não de madeira (dois anos antes já tinha sido a primeira jogadora a utilizar óculos numa final).

Nessa altura os jogadores ainda não se sentavam durante as trocas de lados e foi só em 1974 que as cadeiras chegaram ao Centre Court, numa época em que as transmissões televisivas começavam a exigir pausas maiores para honrarem compromissos publicitários. Até então, os tenistas hidratavam-se em pé durante as trocas de lado, tradicionalmente mais curtas.

O último quarto do século XX foi próspero em grandes campeões e arrancou com a histórica final de 1980 entre Bjorn Borg e John McEnroe.

Pelo contraste de estilos, pelas personalidades distintas, pelo local e pelos contornos com que se desenrolou, a final entre Borg e McEnroe — que terminou com os parciais de 1-6, 7-5, 6-3, 6-7(16) e 8-6 favoráveis ao sueco, após 3h53, e que pelo meio contou com um lendário tie-break ganho pelo norte-americano com 18-16 no quarto set — ganhou uma dimensão épica e foi considerada o melhor encontro da história.

28 anos depois, o mesmo se disse da final de 2008, que Rafael Nadal venceu por 6-4, 6-4, 6-7(5), 6-7(8) e 9-7 contra Roger Federer após 4h48 e com duas interrupções devido à chuva pelo meio, que fizeram com que a decisão se prolongasse por uma janela de quase sete horas e terminasse com pouquíssima iluminação natural, os flashes dos fotógrafos a iluminarem os momentos da celebração.

Nadal e Federer iluminados pelos flash dos fotógrafos profissionais após uma final que terminou em pleno crepúsculo. A cobertura amovível (e respetiva iluminação artificial) do Centre Court só foi inaugurada no ano seguinte.

Assim como a discussão em torno do melhor da história, também esta é propícia a conversas intermináveis (e haverá mesmo necessidade de chegar a uma conclusão?). Mas que ambas as finais têm um lugar de destaque na história das finais de Wimbledon e do ténis em geral é um dado adquirido. Tal como o é que a final de 2001 foi diferente de todas as outras.

O sol e o calor dos primeiros 10 dias de torneio foram substituídos pela chuva e pelo frio que levaram ao prolongamento da meia-final de Goran Ivanisevic e Tim Henman entre a tarde de sexta-feira e a manhã de domingo. Isto obrigou a que a final, entre o croata e o australiano Pat Rafter, se jogasse na segunda-feira.

Sem bilheteira prevista — afinal, segunda-feira já seria dia de descanso —, as bancadas foram totalmente preenchidas por 10.000 espetadores que fizeram fila na noite anterior para os 10.000 bilhetes postos à venda com um único requisito: serem vendidos numa lógica de “primeiro a chegar, primeiro a comprar.”

Ou seja, pela primeira (e única) vez na história de Wimbledon, as bancadas do Centre Court foram preenchidas de cima a baixo pelo povo que, vendo-se numa posição previligeada graças a uma oportunidade inesperada, criou um ambiente nunca visto no palco principal do torneio britânico. A energia que se fizeram sentir nas bancadas assemelhou-se à de um jogo de futebol, com cânticos durante as trocas de lado, gritos por cada um dos tenistas e uma atmosfera geral de euforia nunca vista em Londres, onde também os jogadores se superaram.

O resultado foi a vitória de Goran Ivanisevic, que com os parciais de 6-3, 3-6, 6-3, 2-6 e 9-7 se tornou no primeiro wild card da história a conquistar um torneio do Grand Slam — um feito que o croata celebrou com uma subida ao camarote onde estava a sua equipa, replicando o gesto tornado famoso 14 anos antes por Pat Cash neste mesmo palco, ao ganhar a final a Ivan Lendl.

E aquela segunda-feira de 2001 ficou para sempre conhecida como “People’s Monday”, a segunda-feira do povo.

Mas há mais a dizer sobre esta decisão: foi a primeira vez em toda a história do torneio de Wimbledon que a final masculina não foi arbitrada por um inglês. No alto da cadeira esteve, sim, o português Jorge Dias, que no ano anterior já havia dirigido a final de pares masculinos.

Então com 38 anos, o experiente árbitro de cadeira português viveu o momento mais alto de uma carreira que na altura já o tinha levado a mais de seis dezenas de finais em grandes competições, entre as quais 59 em torneios do ATP Tour, duas na Taça Davis (em 1986 e 1999) e duas de pares masculinos no Australian Open (1999 e 2000, ano em que repetiu o feito em Wimbledon).

Jorge Dias foi o pioneiro ao qual se seguiram, ao mais alto nível na arbitragem mundial, Carlos Ramos e Mariana Alves.

O dia de Carlos Ramos se sentar na cadeira mais importante do Centre Court para o encontro mais importante da quinzena chegou a 8 de julho de 2007. Nascido em 1971 e árbitro profissional desde 1988, esteve na final em que Roger Federer derrotou Rafael Nadal.

Anos mais tarde, tornou-se no primeiro árbitro de cadeira da história a “dirigir” as finais de singulares masculinos dos quatro torneios do Grand Slam (à de Londres, em 2007, juntou as do Australian Open em 2005, 2008, 2014 e 2016, a de Roland-Garros em 2008 e a do US Open em 2011). Do seu currículo fazem ainda parte a final de singulares masculinos dos Jogos Olímpicos de 2012, também no Centre Court do All England Club, as finais de singulares femininos em Roland-Garros 2005, Wimbledon 2008 e US Open 2008, três finais da Fed Cup (2004, 2008 e 2010) e seis da Taça Davis (2004, 2007, 2009, 2011, 2012 e 2015), para além de várias finais de pares em torneios do Grand Slam e muitas outras decisões em torneios do circuito masculino.

A vez de Mariana Alves aconteceu em 2010, com a árbitro de cadeira portuguesa (entretanto tornada supervisora a tempo inteiro) a ser eleita para a final de singulares femininos de Wimbledon entre Serena Williams e Vera Zvonareva.

Nessa mesma quinzena de 2010, Michelle Larcher de Brito já tinha pisado a relva do Centre Court para disputar a primeira ronda do quadro principal frente à norte-americana, um cenário também vivido no ano anterior, e frente à mesma adversária, por Neuza Silva — que em 2009 foi a primeira tenista portuguesa de sempre a atuar no palco principal de Wimbledon.

Silva e Larcher de Brito fizeram-no por uma vez, João Sousa em duas ocasiões: a primeira participação do tenista vimaranense no Centre Court deu-se em 2015, quando discutiu a primeira ronda com Stan Wawrinka, e repetiu-se em 2019, na inédita e histórica quarta ronda frente a Rafael Nadal, dois dias depois de ter superado o britânico Daniel Evans no No. 1 Court.

Sobre este tópico, há ainda a referir que João Sousa é, aliás, o único português a completar o “Grand Slam de courts centrais”: às duas presenças no Centre Court de Wimbledon junta dois encontros no Court Philippe-Chatrier de Roland-Garros (primeira ronda de 2014 contra Novak Djokovic e segunda ronda de 2015 contra Andy Murray), dois encontros no Artur Ashe Stadium do US Open (ambos contra Novak Djokovic, na terceira ronda de 2013 e na quarta ronda de 2018) e um na Rod Laver Arena do Australian Open (as meias-finais de pares ao lado de Leonardo Mayer em 2019).

Venham mais histórias. Venham mais 100 anos de Centre Court.

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