Inside out com Pipa Santos | Sofri a pior lesão da minha carreira. Bem-vindos à minha recuperação

No final do melhor ano da carreira, Ana Filipa Santos lesionou-se e precisou de ser operada. A recuperação é longa e este é o primeiro relato na primeira pessoa da tenista alentejana em exclusivo para o Raquetc.


Hoje é o 47.º dia pós-cirurgia ao meu joelho. Rompi o ligamento cruzado anterior e fraturei o menisco interno do joelho esquerdo. No dia em que o rompi queria muito ter escrito alguma coisa. No telemóvel, no computador, no papel. Não escrevi. Talvez tenha sido um erro porque foi a lesão mais grave que já tive e talvez o dia mais triste da minha carreira. Mas também não o quero ver como um dia negro e, na verdade, talvez tenha sido por isso que não escrevi nada. Hoje a vontade foi mais forte e depois de falar com o Steve [Grácio] e o Gaspar [Lança] sobre escrever algo achei que estava na hora de pôr em palavras aquilo que realmente estou a sentir. Sinceramente não sei por onde começar, mas cá vai disto.

Hoje é o 47.º dia pós-cirurgia ao meu joelho. Não sei se é de estarmos em 2023, mas a vontade de me levantar às 7h da manhã para ir com o motorista até à fisioterapia cada vez é menor. Mas eu vou na mesma. Porque é o certo a fazer se quero voltar a competir e a jogar o desporto pelo qual me apaixonei. Mas porque será que custa cada vez mais a levantar? Talvez por ter passado a útima semana a ver os jogos da United Cup até às tantas e dormir pouco? Talvez, sim. Talvez por eu sentir que os exercícios são muito básicos, mas ao mesmo tempo muito difíceis e sentir pouca evolução? Talvez, sim. Talvez por sentir que a volta ao campo está tão distante? Talvez, sim. Talvez por sentir que esta lesão apareceu de maneira inesperada e o mundo está a dizer-me que o meu tempo como jogadora profissional já acabou? Talvez. Mas mesmo com tudo isto eu levanto-me, arrumo as minhas coisas e vou para a fisioterapia.

Fui operada no Hospital CUF Descobertas pelo Dr. Ricardo Telles de Freitas, que conheci por intermediário do Frederico Gil. É bom quando temos do nosso lado pessoas que nos querem ver bem e ajudar. O médico fez um trabalho incrível desde a primeira consulta, desde explicar como iria proceder durante a operação até como seria toda a recuperação. Não digo que foi fácil ouvir tudo, especialmente que a recuperação para voltar a competir seria de oito meses (para voltar à vida normal são três meses), mas foi algo que o meu cérebro assimilou rapidamente. Eu só queria ser operada para conseguir andar normalmente.

A recuperação tem sido feita com o fisioterapeuta Francisco Silva da physion no Lisboa Racket Centre. É a pessoa que me acompanha há alguns anos e dizer que ele tem sido incrível é pouco, mas isso eu já sabia. Nunca quis ser acompanhada por mais ninguém neste processo porque não há ninguém em quem eu confie mais. A primeira coisa que ele me disse foi que o processo era muito longo, que os dois primeiros meses iam ser muito importantes para o resto da recuperação e para não apressar nada. Sim, chefe. Também me disse que era muito importante conseguirmos esticar a perna na totalidade e que a perna ia parecer um alicate comparada com a outra. Mas o que mais me marcou foi ele ter dito para não me comparar a ninguém que tenha passado pelo mesmo porque todos os corpos reagem de maneira diferente e prometeu-me que se eu seguisse tudo à risca ia notar uma evolução mais consistente.

No início custava muito mais, eu não me conseguia mexer bem com as muletas, não podia fazer força com a perna no chão, dar dois passos na cozinha para ir buscar ovos ao frigorífico deixava-me a suar como se estivesse a jogar em Montemor-o-Novo no pico do calor. Mas o tempo passa e a adaptação vai sendo maior. A perna vai ganhando mobilidade e habilidade. A confiança começa a aparecer e os medos a desaparecer. Muito lentamente, mas é tudo isto que acontece.

Felizmente, ou infelizmente, tenho uma maneira muito fácil de me manter motivada – ver highlights de jogadores que admiro e, quando há torneios, ver o maior número de encontros. Isto parece coisa de maluquinho, e se calhar eu sou maluquinha, mas mais uma vez o tempo passa e quando dou conta são quase 20h e só há tempo de fazer o jantar e dormir. No dia seguinte lá estou eu na fisioterapia outra vez. A lutar contra o sono e algumas dores (uns dias piores do que outros) e seguimos na recuperação. Dia após dia e as pequenas evoluções vão-se notando.

Começa-se por não se sentir nada, tentar esticar o joelho e não ter força, tentar levantar o pé e não conseguir e ter caibras para tentar dobrar o joelho. Até que, com os tratamentos, a mobilidade e o facto do fisioterapeuta ser excelente, as coisas vão acontecendo e um dia já consigo esticar bem o joelho, noutro dia o pé já levanta, noutro dia já dobro 100ºo joelho, noutro dia vou para a bicicleta, noutro dia dou passinhos com uma muleta apenas, depois já dobro quase a 120º e hoje já faço agachamentos a 45º e elíptica durante 10 minutos. A única parte menos boa é quando o joelho estala e é claro que incomoda um pouco e dá algumas dores, mas é momentâneo e o Francisco já me tinha avisado, devia ter dado ouvidos. Todas as semanas há exercícios novos, nem que sejam pequenas variações como a intensidade do elástico, adicionar e aumentar os pesos na perna para a levantar, começar a ir para as máquinas para reaprender os movimentos todos e já começam a aparecer os chamados “planos do ginásio”. Ou seja, o processo vai ficando mais duro fisicamente, mas também mais estimulante e por consequência mais interessante. Já se começa a ver a luz ao fundo do túnel e o tempo passa e a pessoa vai celebrando as pequenas conquistas como se fosse uma criança a receber um chocolate.

Hoje é o 47.º dia pós-cirurgia ao meu joelho. Fui ver alguns jogos do Indoor Oeiras Open. Estou muito feliz por poder ver ténis ao vivo outra vez sem estar em muito sofrimento mental ou físico e fiquei com uma vontade enorme de pegar na raquete e treinar. Bem, tenho essa vontade todos os dias, mas depois dou o primeiro passo do dia e sinto que algo não está certo. “Pois Pipa, o joelho foi operado, tem calma, um mês já passou. Vamos ao que falta”. Mas estou feliz porque vi pessoas de que gosto, falei com elas, vi ténis, vi jogadores portugueses a jogarem muito bem ténis e, venha o que vier a seguir a esta recuperação, eu só quero é juntar-me a eles dentro do campo, ter o meu processo, ter o meu trabalho e vida de novo que eu não consigo viver sem isto. Uma coisa é certa, tudo o que eu puder fazer para voltar a competir e a lutar por pontos e subir no ranking, eu vou fazer. Eu disse que era facilmente motivada. Claro que há dias negros. Mas só de passar quatro horinhas a ver ténis ao vivo já me limparam todos os dias negros do ano de 2022, inclusive o mais negro de todos.

Hoje é o dia 47.º pós-cirurgia ao meu joelho. E eu sinto-me feliz e afortunada por ter esta vida.

11 de janeiro de 2023

#pipanimal

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