Opinião: Encontros de cinco sets e cinco horas sim, mas está na altura de abolirmos as madrugadas

Disputar um encontro de várias horas e à melhor de cinco sets é uma coisa. Disputar um encontro até altas horas da madrugada é outra.

A primeira faz parte da história do ténis e não deve ser abolida. Pela superação a que obriga, pela emoção que proporciona e pelas memórias em que resulta. E também porque pode ser um dos grandes cartões de visita para os que não acompanham o ténis no dia a dia. Afinal, haverá melhor convite para um espetador ocasional do que um encontro com contornos que o distinguem de todos os outros desportos? Tenho sérias dúvidas.

Já a segunda, é desumana e só resulta em adversidades para todos os envolvidos — e são mais do que parecem.

Para além do mediatismo que headlines com “encontro que termina às quatro de manhã” praticamente garantem, não há nenhuma vantagem — absolutamente nenhuma vantagem — em lançar para o court encontros quando o relógio já assinala a meia-noite, quanto mais ter encontros a prolongarem-se para lá da uma, duas, três ou até quatro da manhã, como foi o caso da batalha titânica ganha por Andy Murray a Thanasi Kokkinakis na quinta-feira. Eram 4h05 em Melbourne, onde o britânico e o australiano lutaram durante 5h45.

Para os jogadores, as desvantagens são evidentes: Murray venceu às quatro da manhã, saiu do court sensivelmente 10 minutos depois e no complexo ainda precisou de cumprir as obrigações com a comunicação social antes ou depois de tomar o seu tempo no balneário. A estes procedimentos juntam-se coisas tão simples mas tão essenciais como a alimentação e a recuperação, ainda no complexo, a viagem de carro até ao hotel. Antes das 6h não terá conseguido chegar à cama, mas o mais provável é que isso tenha acontecido ainda mais tarde. E para “pregar o olho” ainda precisou de lidar com a adrenalina. Tudo isto com um outro encontro à melhor de cinco sets previsto para o dia seguinte…

As enormes desvantagens para os jogadores deveriam ser suficientes para que o ténis chegasse a um consenso sobre a hora limite para dar início a um encontro, mas há mais.

Enquanto batalham no court, os dois protagonistas principais estão rodeados pelo árbitro de cadeira, às vezes por juízes de linha (no Australian Open o sistema eletrónico hawk-eye live substituiu esta função) e sempre por dezenas de apanha-bolas, quase todos menores de idade. Nos bastidores, também uma parte do staff do torneio se mantém. Todos eles são obrigados a prolongar pela madrugada as funções que terão de iniciar novamente logo pela manhã.

E ainda o público, tão essencial para qualquer espetáculo — e o desporto de alta competição é um espetáculo.

Pela madrugada dentro as bancas de restauração fecham portas (mesmo as do complexo), pela madrugada dentro os transportes deixam de funcionar e pela madrugada dentro a hora é de dormir, pois para a grande maioria o dia seguinte normalmente significa o regresso ao trabalho ou à escola. E então o público vai, pequenos e graúdos contrariando a vontade e abandonando as cadeiras a diferentes ritmos, com a única certeza a ser que a cada troca de lados as bancadas ficarão mais vazias.

Não se trata de matemática aplicada ou de ciência especial, mas sim de um assunto tão simples quanto evitar que um espetáculo como este se prolonge pela madrugada dentro.

E as únicas formas de o evitar são 1) estabelecer uma hora limite para o começo de um encontro e 2) em último caso, estabelecer uma hora a que um encontro deva ser suspenso, tal como tantas vezes são interrompidos por falta de luz ou devido às condições climatéricas. Não se preocupem — no dia seguinte eles voltam. E voltam mais frescos.

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