Inside out com Pipa Santos | Segundo mês: dores e mais “dores” — sim, essas mesmo

O Australian Open chegou ao fim. Tentei acompanhar o máximo que pude, mas com jogos a começarem à meia-noite de Portugal tornou-se complicado acompanhar quando o dia seguinte começava às 7h.

O meu dia é muito simples e nestes últimos dois meses mais simples não podia ser: acordar e ir para a fisioterapia na Physion no Lisboa Racket Centre, passar toda a manhã lá, chegar a hora do almoço e ir para casa. O que fazer quando se chega a casa? Gelo e mais gelo. Gostava de dizer que o tempo passa rápido e que me estou a sentir melhor a cada dia, mas não posso. Todos os dias tenho alguma dor, seja no joelho da operação, seja nos músculos em volta, seja a tendinite no tendão rotuliano a chatear, seja de fazer força. No fundo, tenho sempre dores, sejam elas grandes ou pequenas.

Há dias mais complicados do que outros. Dias em que tudo dói e em que tenho a sensação de que não houve nenhuma diferença de um dia para outro, nenhuma evolução. E com isto a frustração aumenta. Sinto que estou a evoluir aos poucos, mas com isso a minha vontade de jogar aumenta a cada dia e por isso a frustração acumula-se. Ir ao ginásio fazer 12 minutos de bicicleta e olhar lá para fora e ver alguém a bater umas bolas, acumula frustração. Olhar para o lado e ver alguém a saltar, acumula frustração. Ouvir a passada de alguém a correr na passadeira, acumula frustração — e eu odeio correr. Mas neste momento não há nada que eu possa fazer (além do que já faço) para mudar a situação. Só o tempo irá ditar a minha evolução.

Normalmente sou uma pessoa muito positiva fora do campo, ando sempre à procura de soluções e sempre de sorriso na cara, mas realmente há dias muito difíceis. Se falarmos daquela semana em particular de cada mês, ui, então aí é que há mesmo coisas que não consigo entender.

Falo da semana da menstruação. Aquela semana com que todas as mulheres têm de lidar de uma forma ou de outra com algumas diferenças no dia-a-dia. No meu caso, muitas vezes sinto que é algo que é incontrolável, além de muito irritante e, claro, frustrante.

Nestes dois meses de fisioterapia, nas duas semanas de menstruação de cada mês foi quando senti maiores diferenças. O meu corpo estava mais cansado e com mais dores. Não consegui aguentar o tempo que já estava a fazer na bicicleta sem dor e mesmo a caminhar tive dores. Mas não sinto só isso. Era bom. Para além das dores de barriga “normais” não consigo dormir nas melhores condições, fico irritada sem razão aparente e, muitas vezes, penso que sair de casa é um erro porque estou com tanto mau humor que ainda acontece alguma tragédia.

Quem me conhece sabe que é muito difícil apanhar-me de mau humor ou sem vontade de sair de casa. Sabendo disto, o Filipe Brandão, meu treinador e pessoa que me acompanha aos torneios, a meio de agosto disse que queria falar comigo sobre um assunto importante. Na altura estávamos a jogar o último torneio na Polónia e eu estava com o período. Tinha acabado de perder na primeira ronda com a futura vencedora e ele pediu para lhe dizer em que semanas do calendário tinha tido o período. Acho que a primeira coisa que lhe disse foi: “O período não pode ser desculpa por ter perdido hoje”.

Analisámos o calendário e em todas as semanas de competição com o período tive derrotas duras de aceitar com resultados bastante desequilibrados para as adversárias. Em todos senti algo diferente e digo aqui alguns exemplos: dores especialmente no ombro e nas costas, muito cansaço e o mais comum e estranho, desequilíbrio e descoordenação. Nessa semana na Polónia estava até a considerar não entrar em campo porque não conseguia levantar o braço dois dias antes de começar o torneio. Graças ao fisioterapeuta do torneio, a voltaren e a muito gelo consegui jogar sem dores no ombro, mas as minhas pernas e costas ficaram destruídas por compensação de não utilizar o braço da forma habitual.

Desde aí que tenho andado a ler bastante sobre o assunto. Há uns anos vi uma entrevista de uma atleta olímpica de natação que ficou surpreendida com o resultado numa prova porque estava com o período nessa semana e tende a existir uma quebra de rendimento. No ténis, a Danielle Collins falou abertamente sobre sofrer sempre muito com o período e até lhe foi diagnosticada endometriose e fez uma cirurgia. No ano passado, a Qinwen Zheng ao perder com a Simona Halep em Roland-Garros disse que queria muito ser um homem nesta situação para não ter de lidar com tantas dores.

Ao ler tantos testemunhos, pensei que não faria mal investigar um pouco mais. Consultei nutricionistas e uma das propostas foi tomar a pílula contínua. O Campeonato Nacional Absoluto ia ser o primeiro torneio a fazer a experiência. Curioso que apareceu a lesão. Algumas coisas fizeram algum sentido, como a alimentação ser mais adequada para as perdas de nutrientes que a mulher tem nessas alturas, o uso da pílula contínua, dormir mais para recuperar melhor. Ainda me sugeriram que fizesse exames para despistar algum tipo de desequilíbrio hormonal que eu possa ter. Com a lesão ainda não tive coragem de marcar exames e consultas, mas vou ter de tirar isto a limpo.

Uma coisa é certa, não sou a primeira mulher e a primeira atleta feminina a sentir alguns problemas na semana do período. Quando era mais nova sempre ouvi dizer que “era normal” e que “tinha de aprender a controlar”, mas nunca achei normal não estar apta para fazer o meu trabalho durante uma semana de cada mês. Ou o meu estado de espírito e capacidade mental ou física serem diferentes.

Uma situação engraçada foi quando o Gaspar (Lança) veio ter comigo num torneio e me perguntou o que é que tinha acontecido no The Campus Ladies Open. Ele estava a fotografar e sentiu que algo estava diferente: “Parecia que os teus timings estavam todos trocados.” Nessa semana aparecia o período e já há uns dois dias que eu não sentia a bola nem os impactos no sítio certo, o que é algo que acontece com frequência durante essas semanas. Estava muito feliz por ter a oportunidade de jogar mais um quadro principal de um torneio daquele calibre graças ao wild card da federação, mas infelizmente, além de apanhar uma jogadora muito competente nesse dia, senti-me irritada desde o primeiro ponto por estar a sentir muita descoordenação.

Estas são as derrotas mais difíceis de digerir porque sinto que não consigo dar o meu melhor e há sempre algo totalmente fora do meu controlo. Não quero usar isso como desculpa porque, na verdade, são mais os encontros e treinos em que as coisas correm menos bem do que os dias perfeitos. Mas por outro lado sei de atletas em que essas semanas não lhes afetam em nada o rendimento desportivo e não se sentem diferentes. Para mim, isto é algo difícil de compreender porque sempre sofri muito dentro e fora do campo.

A realidade é que, mesmo tendo semanas menos boas, sinto que o joelho evolui aos poucos. Um dos grandes objetivos agora é conseguir que os músculos ressuscitem. Estão um pouco adormecidos e tenho uma diferença de uma perna para a outra de quase 15 centímetros (quando medida à volta do quadricípite na zona mais perto do joelho). É importante que eu consiga que eles voltem a trabalhar da maneira certa e que a perna do joelho “novo” fique mais forte para quando voltar à competição não existirem descompensações.

No ginásio já faço coisas mais divertidas, como por exemplo a prensa. Nove quilos parecem 300, mas o primeiro dia que fiz isso foi um dia muito feliz. O dia seguinte já não foi tanto porque fiquei muito dorida em sítios em que já não sabia que era possível doer-me.

Coisas mais divertidas no ginásio significa mais tempo no ginásio com pessoas incríveis. Não sei quem estará mais ansioso de começar a “treinar a sério”, eu ou o Carlos (preparador físico), mas o Francisco (fisioterapeuta) diz que temos de ir com calma e sinceramente não quero ter estas dores no joelho quando for para treinar a sério. Para não haver tanta frustração a acumular também prefiro ter de começar tudo do zero e sofrer muito mais depois do que começar agora e ir para casa triste porque não posso saltar à corda.

O Carlos Martins é o dono do Performance Lab, ginásio no Lisboa Racket Centre. Parecemos duas crianças a falar de desporto, de treino, do corpo e de tudo o que um atleta precisa e eu mal posso esperar para começar a trabalhar com ele “a sério”. Primeiro precisamos do aval do Francisco, mas já esteve mais longe.

#pipanimal

01/02/2023

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