OEIRAS – Ana Filipa Santos resistiu a um calvário derivado de problemas físicos em catadupa e enfrenta outro relacionado com a procura de condições que lhe permitam manter vivo o sonho de singrar no circuito profissional. Eliminada na primeira ronda do qualifying no Oeiras CETO Open, a alentejana de 29 anos abriu o coração e meteu as cartas na mesa, um relato pesado, mas necessário numa fase decisiva da carreira.
“Não tem sido fácil”, começou por reconhecer ao ser questionada acerca deste regresso, o segundo dos últimos dois anos. Tudo começou quando rompeu o ligamento cruzado anterior e fraturou o menisco interno do joelho esquerdo, um dos piores obstáculos para qualquer desportista, mas foi “ainda mais difícil” lidar com a mais recente hérnia inguinal “por causa da angústia de não saber exatamente o que tinha.”
“Foi muito difícil e continua a ser muito difícil para mim lidar com as dores provenientes dessa cirurgia porque leva-me a acreditar que não fiz o trabalho que era preciso, mas muitas vezes não tem nada a ver com isso. É o corpo a habituar-se”, acrescentou.
Só que as dores do corpo contagiam a mente e resultam “numa luta interna muito difícil” que, apesar de já conhecer, desgasta.
O encontro no CETO foi o quinto capítulo de um regresso apressado que incluiu duas semanas de UTR — torneios não oficiais que contam com um prize-money apelativo — e que a própria admitiu não ter sido a melhor decisão: “Não gosto de falar disto, mas quando fui para o primeiro UTR [no Algarve] tinha 90€ na conta. Saí de lá com 750€, o que por um lado não foi nada mau, mas por outro joguei com muitas dores, muitos voltaren e muitos relaxantes musculares em cima. Nos UTR há uma regra que faz com que percas uma parte do prize-money se desistires a meio de um encontro e eu não me posso dar ao luxo de fazer isso.”
Mestre em Engenharia de Micro e Nanotecnologias pela FCT NOVA, a atual número quatro nacional — e única portuguesa no top 1000 WTA com um “canudo” — engoliu o orgulho e admitiu viver “com uma pressão constante a que já estou habituada”, mas que ainda não se sente preparada para enxutar.
“Sempre vivi com isto a minha vida inteira. É um esforço que os meus pais fazem, porque tenho a certeza de que se não praticasse este desporto não teria nada destes ganhos e eles estariam bem mais confortáveis. Mas este é o meu sonho, é uma coisa que quero fazer. Já tenho um curso, já tenho as coisas feitas, ou seja, quero dar-me uma oportunidade a mim mesma de pelo menos tentar e ver se sou capaz.” E se é verdade que já tem 29 anos, também o é que, como a própria salientou, “desde que a minha carreira a série começou, no final de 2020, ainda não tive um ano inteiro em que pudesse realmente competir do início ao fim como queria.”
Essa constatação leva-a a contrariar a lógica da idade: “Faço isto desde que voltei a jogar ténis. Agora tive esta lesão do joelho e não fiz nada, então este ano não contou. O da covid também não, então vamos dar mais dois anos. Agora foi uma cirurgia por causa de uma hérnia, então são mais seis meses. Se pensar bem, o meu melhor ranking foi 800 e tal [814.ª em outubro de 2024] e eu joguei seis meses a full numa carreira inteira. E a verdade é que também não me vejo a fazer outra coisa, não há algo de que eu goste mais do que jogar. É um sonho que eu tenho e que tem vindo a ser construído e mais definido na minha cabeça desde que comecei a trabalhar com o Filipe. Neste momento está muito claro na minha cabeça aquilo que eu quero fazer. Se o vou conseguir ou não ninguém sabe, mas tenho de arranjar soluções para conseguir jogar seis meses deste ano como eu quero, onde quero, nas condições que quero e sem dores. Se tiver de perder o ranking todo vou perder.”
E porque o sonho comanda a vida, Ana Filipa Santos está disposta a fazer de tudo para o cumprir.
Se nos últimos dois anos conciliou a carreira profissional com alguns comentários televisivos (“um dinheiro extra que me ajuda imenso”), agora admite pegar na raqueta de outra forma, mesmo tendo em conta o que isso lhe custará: “Para mim é muito difícil dar treinos por causa de toda a envolvência física, é muito tempo de pé e não consigo aguentar bem. Não é algo que me veja a fazer no futuro, mas neste momento estou a pensar ir ou para os EUA ou para o Dubai para tentar ganhar esse dinheiro e depois ficar tranquila a fazer o que eu quiser porque em Portugal não se ganha tanto a dar treinos e o desgaste é o mesmo.”
É o tal “mal necessário” que sabe estar praticamente obrigada a abraçar para inverter uma situação de tal forma crítica que, neste momento, a impede “até de ir até Espanha de carro para conseguir competir.”
Apesar de tudo otimista, Santos continua a ver uma luz ao fundo do túnel. “Se eu tiver dinheiro e não tiver os pontos, eventualmente os pontos vão aparecer porque vou poder fazer mais torneios, mais jogos, mais treinos. Vou estar melhor fisicamente porque vou poder investir mais, enquanto neste momento isso é um gasto e ainda no mês passado tive de pedir ao meu preparador físico para lhe pagar mais tarde. Por um lado tenho a sorte de ter pessoas à minha volta que são inacreditáveis e que me permitem fazer este tipo de trocas e baldrocas.”