Beatriz Haddad Maia: ligação a Portugal rumo ao regresso ao top 100

Sara Falcão/FPT

OEIRAS — As condições não estavam propícias para uma conversa agradável com Beatriz Haddad Maia: a brasileira tinha sucumbido na terceira ronda do Oeiras Mangesium-K Active Ladies Open perante a espanhola Eva Guerrero Alvarez, depois de uma derrota na ronda inaugural na semana anterior no Jamor. Ainda assim, a brasileira mostrou-se de imediato disponível para falar com o Raquetc e, com a simpatia característica, abriu o jogo numa interessante entrevista de 15 minutos, nas traseiras do Clube Escola de Ténis de Oeiras.

“Há que ser profissional”, disse logo quando ouviu um agradecimento por assegurar o diálogo. E além da óbvia resenha às duas semanas em Portugal (que passarão a três, visto que compete novamente em Portugal nesta semana, onde até será cabeça-de-série em novo torneio de 25.000 organizado pela Federação Portuguesa de Ténis, no Jamor) e à recente ligação ao nosso país, não jogou à defesa no assunto mais incómodo — a suspensão por ter testado positivo num controlo antidoping — nem escondeu a ambição para regressar à elite onde já pertenceu.

“Perder cedo faz parte do processo. Voltei a jogar em setembro e se olhar para trás o trabalho está a ser muito bom, estou muito feliz. Tiro coisas positivas para já deste tempo em Portugal. Além disso, estou a competir há 12 semanas consecutivas e isso não é fácil. A semana passada joguei uma hora e meia depois de aterrar [vinha de Córdoba e do segundo título em 2021], com condições bem mais lentas do que aquelas em que estava a jogar. Hoje [esta conversa aconteceu na passada quinta-feira] não fiz o que tinha a fazer no terceiro set e ela foi mais agressiva e mereceu”. Foi desta forma que a tenista de 24 anos abordou os dois desaires mais recentes.

Outrora 58 do mundo, será que Beatriz Haddad Maia se sente na obrigação de bater a oposição em torneios ITF? Sinto que estou preparada e tenho condições de enfrentar qualquer uma. Acredito muito no meu jogo e o ténis feminino é muito equilibrado, todas as meninas estão a jogar a muito bom nível. Não me sinto pressionada, mas sim confiante para fazer o meu jogo. O ranking é um número e no final ganha quem jogar melhor ténis”.

Por falar em ranking, em virtude da suspensão em julho de 2019 (acusou positivo a duas substâncias proibidas de anabolizantes) com duração de 10 meses, a tenista brasileira perdeu toda a pontuação amealhada. Antes da longa paragem, Haddad Maia tinha entrado pela segunda vez na carreira entre as 100 melhores, após o quarto apuramento para a segunda ronda de um Grand Slam. Depois de Wimbledon, onde bateu a então 27 do mundo Garbine Muguruza, campeã de 2017, na ronda inaugural (depois de furar a fase de qualificação), o mundo caiu-lhe aos pés.

O início foi desesperante, mas a “consciência tranquila” também a fez aceitar a situação para voltar mais forte. A pandemia foi mais um percalço — devia ter regressado em maio do ano passado à competição, mas só o pôde fazer em setembro, e logo com o título em Montemor-o-Novo. “Foi um ano que fiquei fora, mas aprendi muito. Quando voltei lembro-me de não pensar em mais nada que não em estar feliz e desfrutar de cada bola. Lembrei-me várias vezes das noites mal dormidas, das minhas dúvidas em não saber se ia voltar em menos de quatro anos, estava ansiosa e triste. Mas ao mesmo tempo isso injectou-me muita motivação, nunca fiquei a sentir-me vítima, mesmo sabendo que estava inocente. A partir do momento em que soube que estava suspensa, aceitei. ‘O meu próximo torneio é em setembro? Beleza. O que preciso de fazer?’. Precisei de treinar, precisei de um técnico porque fiquei dois anos sem o meu treinador [agora está com Rafael Paciaroni, desde outubro], fiquei quase um ano sem ver a minha equipa e a fazer preparação física à distância. Como perdi todos os meus patrocinadores e não conseguia estar a viajar não tinha como me sustentar. Mas tenho a certeza que sem esses momentos difíceis não estava aqui agora a dar a volta por cima tão forte”.

A canhota de 1,85 tem várias vitórias importantes na sua ainda jovem carreira. Além da mencionada no All England Club, a brasileira conquistou um triunfo sobre a então número quatro mundial Sloane Stephens, em Acapulco 2019. “O histórico traz confiança e convicção do que posso fazer. Sempre acreditei que podia fazer muito mais. Quando me lembro que já fiz coisas grandes ganho confiança no caminho que percorro. Foi mais difícil mudar o chip quando fui para um torneio grande pela primeira vez. Não estava habituada a pedir a toalha, apanha-bolas, cronómetro, há mais regras do que quando voltamos aos torneios menores. Só que para mim, independentemente de ser a Muguruza ou a Eva eu preparo-me igual, ia aquecer, comer e hidratar igual. Para mim não muda nada”, realçou.

Possante, agressiva e com um forte serviço, Beatriz Haddad Maia até acha que atualmente joga mais ténis do que quando figurou no top 60. “Talvez na altura estivesse um pouco mais confiante em alguns momentos. Tenisticamente sinto-me no meu melhor momento. Sinto que quanto mais torneios disputo melhor jogo e procuro estar bem para quando tiver oportunidade de jogar com as jogadoras ainda melhores estar a alto nível. Agora estou mais madura mentalmente. Quando cheguei pela primeira vez ao top 100 era tudo muito novo, era uma surpresa. Agora sou outra pessoa, tenho outra equipa, passei por lesões, suspensão, não dá para comparar dois momentos tão diferentes, mas tenisticamente sinto-me melhor e bem preparada para jogar em alto nível”.

Para a recuperação da tenista natural de São Paulo muito tem contribuído Portugal. Ou, dito de outra forma, a cooperação entre a Federação Portuguesa e a Confederação Brasileira de Tênis – num acordo assinado em julho de 2018 entre Vasco Costa e Rafael Westrupp aquando do torneio de Wimbledon —, uma parceria que visa ajudar os jogadores portugueses e brasileiros quando estão no país ‘irmão’. Usufruindo desse acordo, ‘Bia’ recomeçou a sua carreira em 2020 por cá e chegou mesmo a cinco finais, vencendo os títulos em Montemor-o-Novo, Santarém, Porto e Funchal. “É especial estar em Portugal e agradeço as oportunidades que tive. Primeiro o facto de poder treinar em Rio Maior, depois os convites para participar nos torneios. Faz muita diferença ter oportunidades, porque sem elas não jogamos. Sou muito grata pelas oportunidades dada pelas duas Federações”.

“Em 2020 eu não estava a jogar bem, estava muito feliz e isso para mim foi o principal. Tinha muita fome de bola e os momentos duros, os momentos em que tinha de ser forte mentalmente, caíam para mim. Foi uma energia que construí comigo e fiquei muito forte, vesti uma armadura competitiva que talvez nunca tenha tido, mesmo não jogando muito bem. Fiquei muito feliz pelo que fiz”, recordou o início da sua ascensão até, para já, ao posto 242 do ranking WTA. “Jogar aqui é muito especial. Nunca tinha vindo a Portugal e fiquei surpreendida pela positiva, não esperava ser tão bem recebida. É uma segunda casa e são todos muito simpáticos, não é à toa que fomos muito bem colonizados (risos)”. Sou provavelmente a brasileira mais portuguesa que existe (risos), até pelo público. Nota-se o carinho das pessoas, tenho tido muitos seguidores portugueses nas redes sociais. É muito bom sentir-me abraçada e em casa fora do meu país”, destacou.

Foi em Portugal, no caso em Lousada, em outubro do ano passado, que foi obrigada a parar uma vez mais, no caso fruto dum problema num dedo na mão esquerda. “Fiz um excerto ósseo e tive de parar de novo. Graças a Deus era benigno e deu tudo certo. Mais uma vez precisei de recomeçar. Realmente os recomeços são comigo (risos). A minha palavra é resiliência e é isso que faz um jogador de ténis”

A ligação a Portugal também é fomentada na amizade com Gastão Elias (casado com Isabela Miró e treinado por Guilherme Balboa, compatriotas de ‘Bia’). Tal como ela, Elias também baixou muito no ranking, no caso do lourinhanense devido a várias lesões. “No outro dia ele perguntou-me pelo meu ranking e comentou ‘puxa, você me passou’ (risos) é bom ver pessoas que dão a volta por cima e são pessoas de bem”.

Gastão Elias sempre se mostrou convicto no seu ténis e nas suas chances de voltar a figurar nos 100 melhores (foi 57 em 2016). Uma motivação e uma crença partilhada por Beatriz Haddad Maia. “Jogo ténis porque me dá prazer, independentemente de ser 58 ou jogar aqui. Mas sei que vou voltar a ser top 100, só não sei é quando”.

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