Frederico Marques: “Foram muitas noites sem dormir à procura da solução, agradeço ao João por confiar em mim”

São 2h da madrugada em Mumbai. A viagem foi longa, três horas de carro, e ao longe ouvem-se indicações. Frederico Marques está na fila do aeroporto para o check-in ao lado de João Sousa. O cansaço nota-se, a emoção afaga-lhe a voz, a bateria do telemóvel já não é muita e a internet escasseia, mas não hesita em responder ao apelo para refletir sobre o que aconteceu durante a tarde, a 150 quilómetros de distância, em Pune.

“É um momento muito bonito depois de tudo o que passámos nestes dois anos”, adianta ao Raquetc o treinador português poucas horas depois do seu pupilo ter derrotado o finlandês Emil Ruusuvuori, por 7-6(9), 4-6 e 6-1, para conquistar o quarto título da carreira no circuito ATP.

O passado recente é inegável e conhecido por todos. Entre lesões (primeiro uma fratura de esforço no pé esquerdo, depois uma tendinite no antebraço direito e até um teste positivo à covid-19), séries de derrotas e a queda abrupta de confiança, o ténis pós-início da pandemia foi sinónimo de poucas alegrias para a dupla.

E Frederico Marques não o esconde, nunca o escondeu. “Foram momentos complicados, de muitas dúvidas, de muita frustração, de muitos momentos de choro, impotência e noites sem dormir à procura da solução, de onde estava a falhar como treinador ao não conseguir ajudar o João a estar ao seu melhor nível.”

Mas foram esses momentos que se tornaram decisivos para o desfecho deste domingo: “Trabalhámos muito ao longo da semana, mas também aprendemos muito com o que nos aconteceu nos últimos dois anos e que acabou por nos tornar mais fortes. Digo mesmo que se calhar há um par de anos o João não teria ganho o terceiro set por 6-1 depois de perder um segundo set como o de hoje, em que teve 4-1 e perdeu cinco jogos seguidos. Isto demonstra toda a aprendizagem que teve nestes dois anos e também que ele está muito mais forte e sólido mentalmente.”

Ouvem-se novos avisos pelos altifalantes ao longe, o dia vai longo e o voo de regresso à Europa aproxima-se. Ainda tem alguns minutos e não encurta as frases.

“A diferença foi feita na preparação para o jogo, mas também pela experiência que nos deu esta parte não tão positiva dos últimos anos”, continua. “Estávamos preparados para não nos encontrarmos tão bem, para estarmos lentos, sem tanta força e dinâmica, mais longe da bola e mesmo assim querermos muito. Porque se nos preparamos para o pior depois tudo acaba por ser mais fácil. Sabíamos que íamos enfrentar um jogador muito sólido, muito agressivo e a jogar o seu melhor ténis, o que acabou por acontecer no segundo set, mas a preparação foi realmente muito bem feita e interiorizada pelo João. Atrevo-me a dizer que ele está muito mais forte do que estava há dois anos, manteve-se firme, a acreditar e está de parabéns não só pela semana que teve, mas por todo o trabalho que fez quando as coisas não estavam a sair bem. No fundo, por ter acreditado sempre que poderia voltar a ganhar jogos no escalão máximo.”

O treinador de 35 anos sabe bem do que fala. Entre outubro de 2019 — a época que terminou mais cedo por causa da lesão no pé esquerdo — e o início de fevereiro de 2022, um período de sensivelmente 28 meses, João Sousa somou uma vitória em quadros principais do circuito principal. Saiu do top 100 pela primeira vez em mais de oito anos, precisou de voltar aos qualifyings e depois aos Challengers. Teve dúvidas.

E por isso o treinador agradece-lhe. “Gostava de aproveitar a oportunidade para agradecer ao João toda a confiança que depositou em mim mesmo quando os resultados não estavam a ser os desejados. Talvez o mais fácil fosse tentar outra solução, outra pessoa para o acompanhar, mas esteve sempre ao meu lado, nunca duvidou do trabalho, do caminho e do que lhe dizia para fazer e tinha programado. E hoje acabámos por ver o sol, mas somos conscientes de que mais tempestades se avizinham e de que este é só mais um momento bonito. É importante desfrutar dele, mas a partir de amanhã já temos de recuperar para em Doha estarmos na máxima força.”

Frederico Marques está cansado, muito, e não o esconde. Mas a lucidez no discurso mantém-se e ainda aborda o abraço especial que deu a João Sousa no momento da vitória: “Há uma grande cumplicidade. Sabemos aquilo que passámos, as dúvidas que tivemos, as alterações que tentámos fazer. Foi uma procura diária entre toda a equipa e nomeadamente entre mim e o João. Nunca desistimos, nunca duvidámos, por muitas incertezas que pudessem existir, de que voltaríamos a ser competitivos ao mais alto nível e o abraço foi no sentido de que já o merecíamos há algum tempo. O ténis já não estava a ser justo connosco., mas existiu essa resiliência de ambas as partes e sabíamos que seria uma questão de tempo.”

E foi mesmo. 1373 dias depois de se terem abraçado na terra batida do Millennium Estoril Open, Frederico Marques e João Sousa fizeram-no no piso rápido do Tata Open Maharashtra e saem da Índia com o quarto título das carreiras — e do ténis português — ao mais alto nível, bem como com o regresso ao top 100 assegurado.

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