Rui Faria, o fisioterapeuta português que ajudou Jiri Vesely a ganhar uma nova vida

Jiri Vesely viveu uma semana inesquecível no Dubai, onde começou no qualifying e só parou na final do ATP 500 dos Emirados Árabes Unidos, já depois de surpreender o número um mundial Novak Djokovic nos quartos de final, e ao seu lado teve um português que desempenhou um papel fundamental: o fisioterapeuta Rui Faria.

“O segredo para uma semana com encontros como estes é precisamente não haver segredos e manter os processos e rotinas que se tinham criado. É acreditar neles e fazer o que já se fazia, confiando que acabarão por dar resultados”, explicou ao Raquetc já na reta final da conversa que aconteceu depois de aterrar em Lisboa, diretamente do Dubai.

Licenciado em fisioterapia e mestre em fisioterapia de desporto de alto rendimento pela Universidade Autónoma de Barcelona, Rui Faria conta com uma vasta experiência no desporto de alta competição. Atualmente tem quatro clínicas, em Leiria, Aveiro, Alcanena e Santarém, e uma equipa de “cerca de 20 pessoas” que com ele dá as boas-vindas a figuras de destaque como Auriol Dongmo, no lançamento do peso, ou o bailarino António Casalinho. Trabalhou com os escalões de formação no andebol do Sporting após concluir a licenciatura, coordenou o departamento de fisioterapia da equipa sénior modalidade e também do futebol de praia, tornou-se docente no ensino superior e construiu carreira no desporto de alto rendimento.

“O ténis sempre foi uma modalidade de que gostei bastante e que acompanhei com alguma proximidade por ter uma relação de amizade muito grande com o André Lopes, que foi treinador do Rui Machado durante muito tempo. E a minha ligação ao desporto surgiu através de uma parceria que as minhas clínicas têm com a Federação Portuguesa de Ténis (FPT). Damos apoio clínico aos torneios que são organizados pela FPT e foi num desses torneios, o Oeiras Open 125, que conheci o Jiri“, revelou.

Jiri Vesely, ex-número um mundial de juniores, número 35 do ranking ATP em 2015 e vencedor de dois torneios do circuito principal, foi um dos muitos tenistas que passaram pelo gabinete de Rui Faria durante as várias semanas de Oeiras Open no Complexo de Ténis do Jamor. A ligação entre ambos desenvolveu-se a partir daí e o convite surgiu algumas semanas após o torneio: “Ele veio cá num contexto covid muito chato, que se prolongou com sintomas durante alguns meses que o incapacitaram de treinar e competir ao nível a que estava habituado. Nesse torneio teve algumas queixas no ombro, que inclusive o fizeram desistir, e optou por retirar-se do ATP 250 de Parma e prolongar a estadia em Portugal para que eu o pudesse tratar. E umas semanas depois contactou-me para saber se eu o poderia acompanhar no circuito.”

Rui Faria e Jiri Vesely no US Open, em setembro de 2021

O fisioterapeuta português tem “disponibilidade limitada pelo contexto profissional e também familiar” e não pode viajar a tempo inteiro no circuito, mas desde que se juntou à equipa de Jiri Vesely já realizou várias viagens: “Temos mais ou menos previsto fazer juntos cerca de 10 semanas por ano. Começámos a trabalhar juntos em Bastad (Suécia), em julho de 2021. Depois fizemos Umag (Croácia), duas semanas de US Open e também passei alguns dias em Prostejov (República Checa), que é a zona onde ele vive e em que está uma parte da equipa, nomeadamente o preparador físico e um treinador fixo. Estive lá uns dias para nos conhecermos e definirmos alguns dias. E este ano já fiz Doha e agora o Dubai.”

Para além da lesão no ombro e da quebra de rendimento por causa da covid-19, Vesely também esteve envolvido num acidente de viação (como passageiro) que originou alguns problemas no pescoço. “Uma série de episódios que lhe complicaram muito o ano e fizeram perder algum ritmo” e que levou a equipa a decidir que o objetivo para o que restava de 2021 seria “preparar bem o início da época seguinte.”

Os dias são muito preenchidos: presencialmente ou à distância, Rui Faria e Jiri Vesely fazem “desde aquilo que é a recuperação propriamente dita entre encontros, todos os dias, ao trabalho de melhoria de performance, de qualidade de skills de movimento, captação de informação sensorial e processamento da mesma que é algo que temos desenvolvido muito e que agora começa a ter os seus resultados. A execução deste planeamento é uma grande parte do nosso dia e depois também fazemos o acompanhamento do treino mais relacionado com o ténis para percebermos que fatores de risco é que podem estar a condicionar algum tipo de sintomas e em alguns casos o que é que pode ser melhorado para por um lado potenciar a performance e por outro colocá-lo mais longe de se lesionar.”

E o trabalho deu frutos: no Dubai, Vesely derrotou Hady Habib (421.º ATP) e Alexei Popyrin (66.º) no qualifying, Marin Cilic (24.º) na primeira ronda do quadro principal, Roberto Bautista Agut (15.º e recém-campeão em Doha) na segunda, Novak Djokovic (1.º) nos quartos de final — um resultado que “entregou” a Daniil Medvedev a liderança do ranking a partir desta segunda-feira — e Denis Shapovalov (14.º) nas meias-finais, antes de perder com Andrey Rublev (7.º) na grande final.

Rui Faria não teve dúvidas: “O quadro desta semana glorificou ainda mais a prestação dele, porque foi um percurso muito duro. Destronar o Djokovic deu-lhe uma visibilidade muito grande, mas todas as outras vitórias são de uma dimensão enorme e consegui-las todas na mesma semana é uma grande conquista.

“Dentro do azar, digamos assim, de termos um quadro como este, tivemos a sorte de ter um dia off depois do encontro com o Cilic. O Jiri não conseguia andar e passámos muitas horas na marquesa. Ele disse-me que se o encontro fosse nesse dia provavelmente desistia, mas eu disse-lhe para esquecer isso e para deixar o trabalho para mim, porque no dia seguinte estaria bem. E felizmente fez um encontro fantástico contra o Bautista Agut e ganhou por 6-2 e 6-4″, acrescentou.

A prestação no Dubai trouxe alívio ao checo de 28 anos, que tinha perdido recentemente os 250 pontos relativos ao título em Pune 2020. “Felizmente com este torneio esses pontos já foram repostos e até ultrapassados e a partir de agora é construir. Já temos as bases criadas, o que tínhamos trabalhado a nível técnico e físico está finalmente a ficar fixo e vamos começar a construir a partir daqui. O objetivo é poder chegar a um ranking que acreditamos ser mais adequado ao valor do Jiri, porque ele é um atleta super talentoso e que merece ter um ranking diferente do que teve nos últimos anos. Esperemos que este tenha sido o primeiro passo para o colocarmos lá.”

E foi: esta segunda-feira, o jogador natural de Pribram subiu 49 degraus, até ao 74.º lugar da hierarquia.

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