A insustentável leveza de ser Pedro Sousa

Sara Falcão/FPT

Não haverá muitos tenistas a reunirem tanto consenso quanto Pedro Sousa, descrito pelos seus pares como um dos mais talentosos de sempre no país que o viu nascer. E porque ao talento juntou uma evolução exponencial, o resultado foi o estabelecimento de um dos melhores tenistas portugueses de sempre.

Depois de a ensaiar a três tempos em abril, o adeus aos courts deu-se esta quinta-feira no local onde sempre o quis fazer: o Club Internacional de Foot-Ball, o clube onde os pais, Manecas e Graça (responsáveis pela escola), com ele entraram num berço e que o viu crescer, casar e ser pai.

A ambição de aqui terminar nunca foi escondida, apenas acalmada pelas dúvidas em relação à capacidade de manter-se em forma nuns meses em que, pela primeira vez desde sempre, aproveitou para “respirar.”

Qualquer conversa sobre o tenista Pedro Sousa incluirá a palavra talento, essa dádiva tanto invejável quanto detestável que desde tenra idade o acompanhou. Mais hábil do que a maioria dos colegas de hobby-tornado-profissão, ouviu-o durante toda a carreira e de toda a gente. Afinal, talento não lhe faltava.

A transbordar de facilidade em fazer de tudo um pouco, construiu à sua maneira e ao seu próprio ritmo, mas também ao das inúmeras lesões que o moldaram, uma carreira de louvar.

A terra batida sempre foi a superfície predileta, descurando talvez em demasiadas ocasiões os pisos mais rápidos pelos quais teria inevitavelmente de passar para desbloquear ainda mais barreiras num circuito que exige tanto de compromisso como de adaptação. E o serviço não chegou a oferecer-lhe a segurança que poderia e, até, deveria — como acabou por demonstrar nas ocasiões em que, alheio à pressão, fez dele o que quis contra os mais variados adversários.

O que sempre teve a seu favor foi tudo o resto: a facilidade em bater de igual para igual com qualquer jogador desde o fundo do court, a habilidade de fazer o inesperado em todas e quaisquer circunstâncias e uma tranquilidade coincidente com o ar de surfista e o andar descontraído.

Qualidades únicas, invejáveis até para todos aqueles que com ele se cruzaram e que ao longo dos últimos meses superaram os elogios ao Pedro Sousa jogador com os elogios ao Pedro Sousa pessoa. Em português e em inglês, porque nem Casper Ruud, o mais recente campeão do Millennium Estoril Open, deixou passar em branco o fim de carreira do jogador que, em tempos, o derrotou numa final Challenger antes de com ele protagonizar uma final ATP.

A mistura de ingredientes tão inatos quanto raros resultou numa carreira singular que conheceu um novo capítulo no final de final 2016.

Nessa altura, o “filho do CIF” ingressou no Centro de Alto Rendimento da Federação Portuguesa de Ténis decidido a acrescentar ao percurso o sabor de vitória que lhe faltava.

Resumir Pedro Sousa a um conjunto de parágrafos significa passar ao lado de uma série de aspetos necessários para compreender a totalidade da carreira do lisboeta. Mas, na impossibilidade de fazer jus a um percurso de anos, décadas até, revê-lo com atenção especial às maiores conquistas torna-o palpável.

Quatro anos depois de ter perdido a primeira final Challenger da carreira, começou a construir a segunda parte da carreira com pompa e circunstância. E, com a maturidade a acompanhar a experiência, o que se seguiu transformou-o num dos melhores tenistas portugueses da história.

Desde abril de 2017 esteve em 15 finais Challenger. Dessas venceu oito, incluindo duas em solo português (Braga 2018 e Maia 2020) que chegaram a dar-lhe, em partilha com o então seu treinador, Rui Machado, o recorde português de títulos neste circuito antes de ser ultrapassado pelo melhor amigo, Gastão Elias.

Frutífera no circuito secundário, a ascensão de Pedro Sousa deu, por fim, frutos ao mais alto nível quando a 11 de fevereiro de 2019 se tornou no sexto homem português a inscrever o nome no top 100 mundial, restrito grupo ao qual já se juntou, entretanto, Nuno Borges.

Era um “sonho de criança” há muito adiado por lesões que o fizeram dar passos atrás. Tal como o eram os feitos obtidos nos anos seguintes: exatamente um ano depois, em fevereiro de 2020, transformou a sorte em história e, como lucky loser, chegou à final do Argentina Open em Buenos Aires.

Depois de Frederico Gil no Estoril Open 2010 e de João Sousa em 10 ocasiões (entretanto seguiram-se outras duas), foi o terceiro português da história a fazer parte da final de singulares de um torneio ATP, despedindo-se da terra batida sul-americana com o troféu de vice-campeão após uma semana recheada de peripécias e histórias para contar mais tarde.

“Tinha de a jogar de qualquer forma”, disse mais tarde, na Grande Entrevista ao Raquetc, sobre o esforço que fez para superar uma lesão no gémeo e ir a jogo.

E aconteceu um mês depois de, na Austrália, ter feito parte de um quadro principal de um torneio do Grand Slam pela primeira vez — a ironia do ténis fez com que o conseguisse em todos os “Major” menos Roland-Garros, o único disputado na sua superfície predileta.

Se em Paris não conseguiu alcançar essa meta, alcançou outra: foi na cidade luz que jogou, em outubro de 2020, um ATP Masters 1000 pela primeira vez ao participar no qualifying. Meses mais tarde melhorou o feito ao figurar no quadro principal de Miami, algo que só cinco compatriotas tinham conseguido.

A pandemia quebrou-lhe o momentum e interrompeu o circuito e o mundo, mas não lhe tirou o maior sonho da carreira: a 23 de junho de 2021, viu confirmado o apuramento para os Jogos Olímpicos de Tóquio, outro sonho de criança que cumpriu a 11.100km de casa e que o inscreveu em mais um reservadíssimo grupo de tenistas lusos — os olímpicos. Foi o sétimo português da história.

Os 30 fizeram-lhe bem.

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